Tratado de Alto Mar pode ser uma realidade em 2026. Eis o que significaria para a conservação dos mares e oceanos

Estamos prestes a fazer história. O alto mar deve receber uma proteção maior assim que um tratado muito aguardado entre finalmente em vigor, um passo muito importante para cuidar melhor os nossos mares e oceanos.

Este marco jurídico internacional tem a intenção de melhor proteger a biodiversidade das profundezas dos mares e oceanos em águas internacionais.

Há quase duas décadas que se tem discutido a necessidade de um Tratado de Alto Mar, com o objetivo de preservar a vida marinha em áreas além das jurisdições nacionais, ou seja, as águas internacionais. Essas águas representam quase dois terços dos oceanos do planeta e abrigam uma enorme diversidade de espécies e ecossistemas únicos.

Se tudo correr bem, este Tratado entrará em vigor no início de janeiro de 2026, permitindo finalmente a definição de legislação internacional para a gestão das águas internacionais, que perfazem quase metade da área do planeta.

Este acordo internacional é visto como uma oportunidade fundamental para proteger partes dos mares e oceanos que se encontram para além das fronteiras marítimas nacionais. A última ronda de ratificações teve lugar antes da importante Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, que decorreu em Nice, França, até à passada sexta-feira (13).

Este tratado é formalmente denominado de Acordo sobre Proteção da Biodiversidade Marinha em Áreas para além da Jurisdição Nacional e é o resultado de praticamente 20 anos de discussões e propostas.

Muitos esperavam que, na última Conferência das Nações Unidas sobre Oceanos, o tratado fosse ratificado por um número suficiente de países para que entrasse em vigor, mas tal não aconteceu. Até agora, 50 dos 60 Estados necessários já o fizeram, e outros 19 prometeram ratificá-lo até o final do ano. Assim, a proteção do alto mar está próxima de se concretizar. Há 134 países signatários.

A ratificação significa que os Estados-Membros da Organização das Nações Unidas (ONU) concordaram formalmente com o facto de o tratado se tornar lei internacional vinculativa. Para tal, é frequentemente necessário alinhar a legislação nacional com as disposições do tratado.

A poluição por plásticos é um dos maiores problemas ambientais que afetam os mares e oceanos globalmente.

Para os padrões das Nações Unidas, este é um ritmo bastante acelerado. Por norma, a elaboração de tratados leva anos, uma vez que os países precisam de os incorporar às suas legislações internas.

Esta realidade mostra a urgência do momento, já que os oceanos estão a enfrentar sérios problemas, como alterações de temperaturas, sobrecarga de pesca, mineração desenfreada, poluição excessiva de plástico e outros impactes causados pelo Homem.

Quando o tratado entrar em vigor, permitirá a criação de áreas marinhas protegidas e apoiar o objetivo global de salvaguardar pelo menos 30% dos oceanos do mundo até 2030.

Um processo que abre caminho à conservação da vida marinha

Em junho de 2023, o Tratado de Alto Mar foi formalmente adotado por consenso na sede da ONU em Nova York, após longas negociações. Durante décadas, as nações discutiram como partilhar de forma justa os recursos genéticos marinhos e como criar e administrar áreas protegidas, e o resultado está plasmado neste marco jurídico internacional que tem a intenção de melhor proteger a biodiversidade das profundezas dos mares e oceanos.

As águas internacionais representam quase dois terços dos oceanos do planeta e abrigam uma enorme diversidade de espécies e ecossistemas únicos.

O caminho até aqui foi longo, quase duas décadas de avanços e recuos e chegar até aqui foi uma grande conquista. Mas, para que o tratado entre em vigor, é necessário que 60 países o ratifiquem.

Para já, as perspetivas são animadoras, faltam apenas 10 países par alcançar esse feito, um último esforço para a conservação da biodiversidade marinha, o combate à pesca excessiva e a garantia do uso sustentável dos recursos do alto mar.

Desde o início de junho já 22 países ratificaram o acordo. Portugal assinou o acordo a 20 de setembro de 2023 e ratificou-o a 28 de maio deste ano. Entre os países que não assinaram nem ratificaram destacam-se Japão e Rússia.

Quais os benefícios deste Tratado?

Hoje, o alto mar é regulado por várias organizações e acordos diferentes, mas nenhuma tem como foco principal a proteção da biodiversidade oceânica. Desde 1982, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar define os direitos das nações sobre as águas até 200 milhas náuticas das suas costas.

Depois disso, as águas não pertencem a nenhuma nação, cobrindo 43% da superfície da Terra, com uma rica biodiversidade que sustenta a vida. Menos de 1 por cento do alto mar está total ou altamente protegido. Quando o tratado entrar em vigor, permitirá a criação de grandes áreas protegidas nessas regiões, incluindo o leito marinho internacional, que fica além da plataforma continental de qualquer país.

Essas áreas protegidas provavelmente terão restrições à pesca, navegação e outras atividades, sempre em consulta com organizações internacionais relevantes, como a Organização Marítima Internacional e grupos regionais de gestão pesqueira.

O alto mar, também designado por águas internacionais, começa a 200 milhas náuticas das linhas costeiras e pertence a todos os povos como património comum da humanidade. Estas áreas não estão incluídas nas zonas económicas exclusivas, no mar territorial, nas águas interiores ou nas águas arquipelágicas de um Estado.

O tratado também ajudará a alcançar metas de conservação, como proteger pelo menos 30% dos habitats marinhos até 2030, conforme o Pacto de Biodiversidade Kunming-Montreal de 2022. Além disso, cria um mecanismo para compartilhar os benefícios dos recursos genéticos marinhos, que têm grande potencial para investigações médicas, farmacêuticas, cosméticas e alimentares.

A sobrepesca acarreta graves consequências para os ecossistemas marinhos, a segurança alimentar e a economia de comunidades costeiras.

Esses recursos representaram um grande desafio durante as longas negociações. Muitos países que possuem costas não têm condições de participar de investigações em alto mar, o que pode fazer com que percam esses benefícios e outros relacionados. O Tratado de Alto Mar reconhece essa realidade e cria uma estrutura sólida para capacitação, transferência de tecnologia e apoio técnico às nações em desenvolvimento.

Ainda há muito trabalho a fazer para definir exatamente como o tratado funcionará na prática, como será supervisionado e como se relacionará com a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos. que regula a mineração em águas profundas, além do Sistema do Tratado da Antártida, entre outros.

Os negociadores ainda têm desafios pela frente para resolver essas questões pendentes antes que o trabalho possa realmente começar.

Ainda assim, esta conquista é muito importante. O avanço neste tratado foi resultado de muito esforço, e, quando entrar em vigor, fará uma diferença real e concreta.