As poeiras do Saara estão de volta ao território nacional, conheça os seus potenciais efeitos ocultos

Os próximos dias ficarão marcados por mais uma intrusão de poeiras do Saara em território nacional. Estes fenómenos são particularmente nefastos do ponto de vista da saúde humana. Fique a conhecer os seus efeitos mais ocultos.

poeiras do Saara
As poeiras africanas estarão novamente de volta a território nacional esta sexta-feira, esperando-se que aqui permaneçam até domingo. A imagem mostra o efeito destas em Castelo Branco, em 2022.

Entre sexta-feira (5) e domingo (7) o território continental português será afetado por uma firme intrusão de poeiras provenientes do deserto do Saara, que deixará os céus do país encobertos de uma sólida nuvem turva.

O fenómeno a que assistiremos nos próximos dias reveste-se de particular complexidade, por um lado, devido à sua impetuosidade, uma vez que trará consigo uma elevada concentração de partículas em suspensão, e por outro, pela sua dimensão geográfica, já que poderá chegar até aos países nórdicos.

A ocorrência deste fenómeno, como se disse, repercutir-se-á numa fraca qualidade do ar no continente, associada a um aumento das concentrações de partículas em suspensão no ar inaláveis, de origem natural.

Este tipo de fenómenos é relativamente frequente na Península Ibérica, tendo atraído mais atenção nos últimos anos, em particular em 2022, onde se fez dar a conhecer várias vezes com efeitos mais visíveis. Este ano, é já o segundo transporte significativo de poeiras a afetar a região.

Embora estas pequenas partículas transportadas pelo ar possam parecer benignas, representam uma ameaça significativa à saúde humana e ambiental, à segurança dos transportes e à economia global. Foquemo-nos, neste artigo, na saúde humana.

A poeira compreende pequenas partículas de sedimentos ou solo que estão suspensas na atmosfera e que são transportadas pelo vento. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que a situação é desfavorável quando a concentração destas matérias particuladas oscila entre os 15 μg/m³ para PM2,5 e os 45 μg/m³ para PM10, na média diária.

As concentrações de PM10 poderão alcançar até 80 µg/m3 no Baixo Alentejo, Beira Alta, Nordeste Transmontano e com particular incidência no Algarve, e as de PM2,5 atingirão até 25 µg/m3 também nestas geografias.

A situação será especialmente mais gravosa na vizinha Espanha onde se esperam concentrações de PM10 superiores a 200µg/m3 e PM2,5 que poderão alcançar 100µg/m3, principalmente nas regiões de Andaluzia, Castilla - La Mancha e Aragão.

A intrusão de poeiras afeta principalmente grupos da população mais sensíveis, como crianças, idosos e pessoas com problemas respiratórios crónicos e de foro vascular, cujos cuidados de saúde devem ser redobrados durante a ocorrência destes eventos.

poeiras no vale do rio Douro
As poeiras do Saara afetam frequentemente o território nacional e podem trazer consigo perigos que até agora não conhecíamos. A imagem mostra o efeito destas no vale do rio Douro.

A Direção-Geral de Saúde aconselha estes grupos mais vulneráveis a permanecerem no interior dos edifícios e, preferencialmente, com as janelas fechadas.

Os viajantes invisíveis: bactérias, fungos e muita sujidade

Centenas de estudos mostram a ligação da poeira com doenças respiratórias, como asma e bronquite, bem como com doenças cardiovasculares, mas existem outras formas pelas quais a poeira afeta a saúde, muitas delas subestimadas ou desconhecidas.

Por forma a aprofundar os efeitos ocultos do transporte de poeiras, um conjunto de investigadores decidiu aprofundar investigações anteriores, para identificar microrganismos que possam ter apanhado boleia nas nuvens de poeira.

“Todos nós temos alergias e outros efeitos de saúde potencialmente mais graves quando respiramos poeira, e não se sabe totalmente o que causa essas alergias. Algumas pessoas podem pensar que são apenas areia ou minerais argilosos na poeira. Outros pensam que são os metais ou produtos orgânicos da poeira, e alguns pensam que são as bactérias e os fungos”.

Shankar Chellam, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental de Zachry e coautor do estudo

As amostras foram recolhidas durante um evento de poeira no Saara em Houston, Texas, em agosto de 2018. As composições elementares, bacterianas e de microbiomas (comunidades fúngicas) foram medidas.

A microbiota (nome que se dá ao conjunto de micro-organismos que habitam um ecossistema) foi detetada através da extração de ADN de filtros. As técnicas de sequenciamento realizadas detetaram genomas bacterianos de 117 famílias e genomas de fungos de 164 famílias.

A técnica não mostrou se os micróbios estavam vivos, mas detetou várias bactérias e fungos patogénicos, muitos dos quais estão listados na lista de prioridade global de agentes patogénicos humanos da OMS.

A biodiversidade de bactérias e fungos mostrou-se estar fortemente correlacionada com alguns elementos, principalmente o cálcio. O estudo mostrou que o cálcio e o zircónio são importantes para explicar a diversidade bacteriana e fúngica e a relação entre a diversidade de espécies regionais e locais.

Fica por explicar, em investigações futuras, se estas bactérias ou fungos conseguirão infetar-nos e deixar-nos doentes. Certo é que o ADN de várias bactérias e fungos patogénicos foi identificado nestas poerias.

Um futuro preocupante?

O ser humano tem enfrentado tempestades de areia há milhares de anos, desde que as primeiras civilizações surgiram no Médio Oriente e no Norte de África. Mas as modernas tempestades de areia no deserto são diferentes das suas homólogas pré-industriais.

Um pouco por todo o globo, os desertos fazem cada vez mais fronteira com áreas construídas, como habitações, indústrias, centros de transporte, estações de tratamento de águas residuais e aterros sanitários. Como resultado, a poeira do deserto levanta uma carga crescente de poluentes atmosféricos e outros agentes patogénicos e transporta-os por longas distâncias.

Se a isto adicionarmos o atual período de disrupção climática, podemos esperar que estes fenómenos sejam cada vez mais comuns, fruto da redução da cobertura dos solos. Esta preocupante realidade deve levar-nos a refletir como devemos adaptar-nos e proteger os grupos populacionais mais vulneráveis.


Referência da notícia:
Das, S., McEwen, A., Propsero, J. et. al. (2023). Respirable Metals, Bacteria, and Fungi during a Saharan–Sahelian Dust Event in Houston, Texas. Environmental Science and Technology 57, 48, 19942–19955.