A poeira espacial ajudou os cientistas a decifrar o passado do Ártico e o que isso pode significar para o seu futuro
Investigadores da Universidade de Washington usaram minúsculos grãos de poeira espacial aprisionados por gelo antigo para mapear o encolhimento do Oceano Ártico.

Os cientistas têm vindo a alertar há décadas que o gelo marinho do Ártico está a diminuir rapidamente, e talvez ainda mais preocupante seja o facto de os satélites da Terra mostrarem apenas um instantâneo atual e não o quadro completo.
Para descobrir a gravidade da situação e o que pode acontecer a seguir, os investigadores encontraram uma pista surpreendentemente útil e inesperada: poeira espacial.
A equipa da Universidade de Washington afirma ter utilizado minúsculos grãos aprisionados por gelo antigo, que transportam uma forma rara de hélio, para mapear onde o gelo do Oceano Ártico se abriu e fechou nos últimos 30 mil anos.
Isto oferece aos investigadores uma cronologia mais clara da cobertura de gelo, que relaciona o degelo com as mudanças nos nutrientes e na cadeia alimentar em geral – o tipo de mudança que pode ter repercussões desde o plâncton até aos peixes, e daí para as pessoas e a geopolítica.
“Se conseguirmos projetar o momento e os padrões espaciais do declínio da cobertura de gelo no futuro, isso ajudar-nos-á a compreender o aquecimento global, a prever as mudanças nas cadeias alimentares e na pesca, e a preparar-nos para as mudanças geopolíticas”, disse o autor principal da investigação, Frankie Pavia.
Porquê poeira espacial?
De onde vem esta poeira e porque é tão útil? Os cientistas explicam que, todos os dias, se deposita poeira cósmica nos oceanos, e grande parte dela transporta um elemento químico chamado hélio-3. Este é um isótopo raro que permite aos cientistas diferenciá-la das partículas comuns produzidas pela Terra. Quando o mar está aberto, esta poeira afunda-se e fica presa na lama do fundo do mar. Depois, quando o gelo marinho se forma sobre ela, atua como uma tampa e muito menos poeira chega ao fundo, explicam os investigadores.

Ao medir o hélio-3 em núcleos de sedimentos de três pontos diferentes do Ártico central - abrangendo regiões com gelo permanente e regiões sazonalmente abertas - a equipa conseguiu esboçar quando estas áreas estavam cobertas ou livres de gelo.
Descobriram que, durante a última era glaciar, os núcleos analisados não apresentavam praticamente nenhuma poeira cósmica nos sedimentos do Ártico, o que coincide com um período de cobertura persistente. À medida que o planeta aquecia, o sinal de hélio-3 aumentava, indicando o regresso do oceano ao estado de águas abertas.
“É como procurar uma agulha num palheiro”, disse Pavia. “Há uma pequena quantidade de poeira cósmica a cair em todo o lado, mas também há sedimentos terrestres a acumular-se muito rapidamente”.
O segredo, acrescentaram, era aprender tanto com os locais onde a poeira estava ausente como com os locais onde foi encontrada.
O que significa isto para o Ártico agora?
O registo de poeira coincide com outro sinal, ou seja, a intensidade com que a vida marinha utilizava os nutrientes.
Os indícios químicos em minúsculas conchas fossilizadas mostram um maior consumo de nutrientes quando a camada de gelo era escassa, e uma queda neste consumo à medida que o gelo se expandia. Isto reflete, provavelmente, uma maior incidência de luz solar e fotossíntese em águas abertas — com maiores florações de fitoplâncton a alimentar a cadeia alimentar —, embora os cientistas afirmem que a diluição pela água do degelo também possa desempenhar um papel importante.
Com os satélites a apresentarem uma redução de mais de 40% na extensão do gelo marinho no Verão desde 1979, a nova perspetiva a longo prazo contextualiza a tendência atual e ajuda os investigadores a decidir os próximos passos.
Segundo os cientistas da Universidade de Washington, isto significa oscilações mais acentuadas na proliferação de plâncton, alterações nas pescarias e um aumento do interesse estratégico à medida que as temporadas sem gelo se prolongam – mudanças que terão impacto tanto na ecologia como na economia.
Referência da notícia:
Cosmic dust reveals dynamic shifts in central Arctic sea-ice coverage over the past 30,000 years, published in Science, November 2025.