O caso insólito do astronauta que contrabandeou uma sanduíche para o espaço, provocando um escândalo na NASA
O que começou por ser uma brincadeira de camaradagem na missão Gemini III acabou em debate político, críticas dos meios de comunicação social e uma alteração dos protocolos de segurança da NASA.

Em plena corrida espacial, onde cada pequeno gesto tinha um peso político e técnico, a impensável “brincadeira” de um astronauta tornou-se um escândalo que fez manchetes e obrigou a NASA a rever os seus protocolos de segurança.
Aconteceu a 23 de março de 1965, durante a missão Gemini III, a primeira missão tripulada do programa Gemini. O piloto John W. Young escondeu uma sanduíche de carne no seu fato espacial e, duas horas após a descolagem, retirou-a para a partilhar com o comandante Virgil Gus Grissom.
Tudo aconteceu muito rapidamente e como uma brincadeira entre amigos. A conversa foi registada no comunicador do cockpit. Grissom perguntou “O que é isto?” e Young respondeu “uma sandes de carne”.

Mal deram duas dentadas e tiveram de a guardar inacabada, porque as migalhas começaram a flutuar no minúsculo cockpit do Gemini. Todo o episódio durou menos de 30 segundos, mas foi o suficiente para causar agitação no Congresso, na NASA e nos media.
Porque é que isto foi um problema? Em microgravidade não existe “cair no chão”: pequenas partículas estão suspensas no ar e podem entrar em condutas, instrumentos sensíveis ou painéis elétricos. Uma migalha de pão pode interferir com a ventilação, entupir sensores ou componentes eletrónicos. As agências e os engenheiros sabiam que a higiene e a limpeza num ambiente fechado e pressurizado são fundamentais.
Além disso, o programa Gemini foi fundamental para preparar o caminho para a Apollo. A NASA explica: "Um dos objetivos era avaliar a embalagem dos alimentos de voo da NASA e se os recipientes apresentavam fugas durante a reconstituição dos alimentos, os procedimentos de eliminação dos alimentos e a sua embalagem após o consumo. Os alimentos incluíam itens reidratáveis, como pedaços de frango, molho de maçã ou bebidas, e alimentos comprimidos, como pedaços de brownie. (::::) As tripulações queixaram-se do sabor. Young descreveu os pedaços de frango como “pouco comestíveis” no seu relatório pós-voo.
A sanduíche que entrou para a história
A história teve consequências imediatas e públicas. A imprensa foi rápida a divulgar a história e a anedota - um astronauta com fome a partilhar uma sanduíche - tornou-se motivo de censura por parte de administradores e legisladores.
A NASA foi criticada por permitir que um artigo não aprovado chegasse à cápsula; os funcionários decidiram tornar mais rigorosas as regras relativas aos artigos pessoais a bordo e rever os processos de aprovação e controlo. Para evitar duplicações, as equipas de operações e o chefe da tripulação limitaram mesmo rigorosamente o que podia ser levado nos voos seguintes.

As provas e os relatos dos jornais da época apresentam pequenas variações sobre quem comprou exatamente a sanduíche, mas a própria NASA relata no seu website este episódio e a declaração de Young à revista Life em 2 de abril de 1965: “Escondi uma sanduíche no meu fato espacial”, confessou o astronauta.
O episódio também ensinou uma lição sobre como comer no espaço. A partir destas e de outras anedotas, acelerou-se a conceção de alimentos especialmente embalados para os voos: porções seladas, texturas sem migalhas e embalagens que minimizam o desperdício. A comida espacial passou a dar prioridade à segurança da cabina em detrimento da familiaridade do sabor; a palatabilidade foi subordinada à praticabilidade.

O incidente não afetou a carreira de John Young. Acabou por se tornar uma lenda da NASA: voou em missões Gemini, comandou o módulo na missão Apollo 16 e mais tarde liderou missões de vaivéns espaciais. Para muitos, a “sanduíche que voou” continuou a ser uma anedota maliciosa no meio de uma carreira excecional.
A mistura de humanidade e de risco é o que torna esta história tão interessante. Aquela pequena migalha flutuante obrigou a comunidade aeroespacial a levar mais a sério até as coisas mais triviais. Atualmente, a anedota é contada como um aviso e um símbolo: no espaço, até o almoço pode tornar-se um assunto sério.