Esta é a máquina de 27 km que recria o início do Universo e que poderá encontrar a partícula de Deus
O Grande Colisor de Hadrões, o maior instrumento científico do mundo, recria colisões de alta energia para procurar novas partículas fundamentais, como o misterioso bosão de Higgs.

No coração da física fundamental, o CERN alberga o maior e mais complexo instrumento: o Grande Colisor de Hadrões (LHC). Um túnel circular com 27 quilómetros de circunferência e um feito colossal de engenharia, a sua missão é investigar a estrutura das partículas que constituem o universo.
O LHC funciona como uma pista de corridas subatómica, impulsionando partículas carregadas, como os protões, para velocidades próximas da velocidade da luz; isto é conseguido através de campos eletromagnéticos, utilizando frequências de rádio para aumentar gradualmente a sua energia.
Depois de atingirem esta velocidade máxima, as partículas são forçadas a colidir de frente, permitindo que a energia dos dois feixes seja somada. Embora a energia de um único protão seja minúscula em termos quotidianos - semelhante à de um alfinete a cair dois centímetros - está concentrada numa escala infinitesimal.
Esta concentração extrema de energia consegue algo espantoso: recria as condições que existiam no Universo apenas uma fração de segundo após o Big Bang. A famosa equação de Einstein, E=mc², recorda-nos que esta energia de colisão se transforma instantaneamente em matéria, sob a forma de novas partículas.

Ao estudar estas colisões, é possível observar partículas maciças que existem num instante, como o bosão de Higgs ou o quark top. Estas descobertas, que ocorrem num piscar de olhos, aumentam dramaticamente a nossa compreensão da matéria e da misteriosa origem do cosmos.
A procura da “partícula de Deus”
O bosão de Higgs é a peça fundamental que falta no Modelo Padrão da física das partículas, proposto pela primeira vez em 1964 e cuja existência foi confirmada no CERN pelas colaborações ATLAS e CMS em 2012. A sua descoberta colocou a teoria eletrofraca em bases experimentais sólidas.
Esta partícula, frequentemente designada por “partícula de Deus” na cultura popular, é na realidade uma onda num campo quântico invisível que preenche todo o universo: o campo de Higgs. As partículas elementares ganham a sua massa ao interagir com este campo, tal como os veículos que sofrem fricção ao deslocarem-se na estrada.
Detetar o bosão de Higgs é um desafio monumental, muitas vezes comparado à procura de uma agulha num palheiro cósmico. Só é produzido cerca de uma vez em cada mil milhões de colisões no LHC, e o seu tempo de vida é tão curto que decai quase instantaneamente noutras partículas mais leves.
Uma vez que não é possível observar o bosão diretamente, os cientistas medem com precisão os produtos do seu decaimento. Analisando estatisticamente enormes volumes de dados, procuram um “pico” nos histogramas de massa invariante, que confirma indiretamente a sua existência, com uma certeza chamada “cinco sigma”.
Engenharia extrema
Imagine que quer que um pêndulo balance mais alto sem lhe dar um empurrão forte, mas muitos pequenos empurrões; algo semelhante acontece num acelerador circular como o LHC, onde os protões giram repetidamente, recebendo um impulso de energia em cada volta de estruturas chamadas cavidades de radiofrequência.
Para manter os protões a viajar à velocidade da luz num loop de 27 quilómetros, são necessários campos magnéticos extremamente potentes. Estes ímanes supercondutores - arrefecidos com sistemas criogénicos - concentram os feixes e desviam a sua trajetória com precisão, sendo o seu controlo vital.

A engenharia é fundamental no CERN; de facto, a organização emprega mais engenheiros e técnicos do que físicos de investigação. São eles os responsáveis pelo desenvolvimento e construção destas máquinas gigantescas e complexas, que exigem uma precisão sem precedentes em milhões de componentes.
A velocidade atingida faz com que os protões adquiram uma energia de 6,5 tera-eletrão-volts (TeV) cada, gerando colisões de 13 TeV. Embora se trate de uma quantidade de energia ínfima à escala humana, quando concentrada num ponto subatómico, são atingidas densidades de energia comparáveis às do início do Universo.
O futuro e a procura de novas partículas
O principal objetivo da física no CERN é responder às questões que o Modelo Padrão, apesar do seu sucesso, ainda não resolveu. Os cientistas procuram novas partículas e fenómenos que expliquem os 95% da massa e da energia do universo que, sob a forma de matéria e energia escuras, são ainda desconhecidos.
Entre os grandes mistérios que permanecem, contam-se a natureza da matéria negra e a razão pela qual a força da gravidade se revela tão fraca em comparação com as outras três forças fundamentais. O bosão de Higgs, interagindo com as outras partículas, torna-se um laboratório crucial para esta nova física.
Uma das pesquisas mais promissoras é ver se o bosão de Higgs decai em partículas “invisíveis”, que são aquelas que não interagem com as forças eletromagnética, forte ou fraca. Se isto acontecer, poderá ser a primeira prova direta da descoberta das partículas de matéria negra.
A viagem está apenas a começar e a investigação sobre o Higgs está a explorar se se trata de uma partícula isolada ou se faz parte de um “setor” Higgs mais complexo. Para continuar a alargar a fronteira do conhecimento, o LHC de alta luminosidade e os futuros aceleradores estão a ser planeados para depois de 2040.