Quanto vale o trabalho que os polinizadores fazem pela agricultura em Portugal?
Estudo da Universidade de Coimbra conclui que, além de contribuírem com milhões de euros anuais para a economia nacional, os insetos desempenham um papel central no rendimento dos principais produtos agrícolas portugueses.

Já alguma vez pensou no quanto valem os serviços ecossistémicos de rios, florestas, montanhas, aves, baleias e tantos outros animais? É uma pergunta bizarra, no mínimo, tendo em conta que o valor será naturalmente incalculável.
Mas, se todos nós colocamos um preço na prestação dos nossos serviços, por que não fazer o mesmo com a Natureza? Foi precisamente isso aliás que fez, em 2019, o projeto INCA - Increase Corporate Political Responsibility and Accountability, calculando em 234 mil milhões de euros o contributo de florestas, prados, charnecas, matos, áreas agrícolas, rios, pântanos e outros ecossistemas para a União Europeia.
Em Portugal, no entanto, não há quaisquer estimativas sobre o valor que os ecossistemas ou a vida selvagem representam para a economia do país. Ou, melhor, não havia. A investigação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra veio preencher agora esta lacuna com o estudo conduzido pelos investigadores do laboratório FLOWer La.
A economia impulsionada pelos insetos
A investigação, publicada na revista Regional Environmental Change, focou-se nas tarefas que os insetos executam nos campos agrícolas, concluindo que o valor económico dos polinizadores para a agricultura portuguesa foi superior a dois milhões de euros em 2023.
A maioria dos produtos agrícolas (54%) produzidos em Portugal estão diretamente dependentes dos polinizadores. O cálculo final, segundo os investigadores, teve em consideração não somente as culturas altamente condicionadas pela polinização como também aquelas com menor grau de dependência, mas de grande importância económica.

Pomares de maçã, de peras, de laranjas e os amendoais estão entre as culturas mais beneficiadas, tais como as plantações de abacate, tomate industrial e kiwis. Tão importante é também a ação dos polinizadores no cultivo de framboesas, morangos e mirtilos.
Quantidade, sim, mas qualidade também!
Os polinizadores não influenciam apenas a quantidade produzida, mas também a qualidade nutricional. O seu trabalho, além de assegurar a reprodução das plantas, está intrinsecamente relacionado com a capacidade de conservação dos produtos agrícolas nas prateleiras dos supermercados, gerando benefícios múltiplos, muitos ainda difíceis de quantificar.
A agricultura portuguesa, embora tenha diminuído em área agrícola quase 50% desde 1980, está cada vez mais dependente de insetos como abelhas, moscas das flores, besouros ou borboletas. A área dedicada a campos de cultivo que precisam de polinizadores aumentou 36% na última década. O crescimento de culturas como frutas frescas, frutos secos e hortícolas justifica-se precisamente por serem as de maior rendimento.

Os autores alertam por isso para as ameaças crescentes aos polinizadores, incluindo a intensificação agrícola, o uso de pesticidas, a simplificação da paisagem, as alterações climáticas e a urbanização. São alguns dos perigos que já estão a provocar o declínio dos insetos e a gerar défices de polinização que podem vir a comprometer a sustentabilidade da produção agrícola
Sílvia Castro, autora do estudo.
O intuito desta investigação, segundo os seus autores, passa por fornecer uma base sólida para desenvolver políticas agrícolas e ambientais mais ecológicas. A necessidade de integrar medidas de conservação de polinizadores na gestão agrícola, nos programas de apoio ao setor, e nos planos de ordenamento do território é, para a equipa da Universidade de Coimbra, um passo basilar para assegurar a resiliência e a vitalidade da agricultura portuguesa a longo prazo.
Referência do artigo
Catarina Siopa, Hugo Gaspar, Helena Castro, João Loureiro & Sílvia Castro. Pollinator contribution to crop production: a temporal and economic assessment in Portugal. Regional Environmental Change