Descoberto o glaciar mais antigo da Europa: um arquivo climático natural com 12 000 anos encontrado nos Alpes franceses
Um glaciar descoberto nos Alpes franceses revela um testemunho congelado com 12 000 anos, um arquivo climático de valor incalculável que abrange desde a última Idade do Gelo até à Revolução Industrial.

No topo do Dôme du Goûter, no Mont Blanc, foi extraído em 1999 um núcleo de gelo com 40 metros de profundidade e foi confirmado que a base do colossal glaciar data de há pelo menos 12 000 anos, o que faz dele o mais antigo registo de gelo contínuo na Europa.
A equipa do Instituto de Investigação do Deserto (DRI), em colaboração com cientistas franceses e suíços, analisou esta prova sólida camada a camada, revelando uma crónica única: aerossóis vulcânicos, poeiras do deserto do Saara, sal marinho, pólen e poluentes humanos que permitem reconstruir a história ambiental desde o final da última Idade do Gelo até aos nossos dias.
Um arquivo climático único
Este núcleo oferece uma visão global de dois grandes estados climáticos: o glaciar e o interglaciar, analisando as transformações atmosféricas provocadas pela agricultura, a domesticação, a exploração mineira e mesmo os primórdios da industrialização europeia.
What's it like to fly near the Dôme du Goûter?
— AirTO Aviation (@AirTO_Aviation) March 27, 2021
Well, it's quite nice I'm not gonna lie! pic.twitter.com/y0a8A2d9Gp
Os dados mostram que, durante o último máximo glaciar, as temperaturas foram 2 °C mais baixas na Europa Ocidental e 3,5°C mais baixas nos Alpes, em comparação com o período atual.
Revelam também episódios com até oito vezes mais poeira atmosférica, possivelmente relacionados com as tempestades do Saara durante os períodos frios.
Porque é que os registos europeus são melhores?
Até agora, os registos de gelo mais antigos provinham do Ártico ou da Antártida. No entanto, estes gelos distantes não refletem bem as variações climáticas locais na Europa, pelo que o núcleo do Mont Blanc, por estar próximo das fontes de poluição, poeiras e aerossóis, fornece um melhor registo do clima regional.
Além disso, apesar das temperaturas recorde registadas nos últimos anos, o gelo foi preservado pela altitude extrema (mais de 4 200 metros) e pelos ventos fortes. De facto, um outro núcleo próximo continha gelo com apenas um século, o que realça a singularidade desta descoberta.
As aplicações prováveis para a compreensão do clima do planeta
Este espantoso arquivo ajudará a calibrar e a validar os modelos climáticos utilizados pela NASA, NOAA e outros, fornecendo dados locais verificados. Isto permitirá uma melhor compreensão da forma como os diferentes tipos de aerossóis afetam a formação de nuvens e o balanço energético do planeta.
Dome du Goûter and Bossons Glacier tonight! pic.twitter.com/M0duFpxXEs
— Melaine Le Roy (@subfossilguy) June 10, 2025
O estudo também procura sinais de contaminantes como o chumbo ou o arsénico, o que ajudaria a reconstruir a história da poluição humana na Europa desde o Neolítico até à era moderna.
Referência da notícia
Michel Legrand, Joseph R McConnell, Susanne Preunkert, David Wachs, Nathan J Chellman, Kira Rehfeld, Gilles Bergametti, Sophia M Wensman, Werner Aeschbach, Markus K Oberthaler, Ronny Friedrich. Alpine ice core record of large changes in dust, sea-salt, and biogenic aerosol over Europe during deglaciation. PNAS Nexus, 2025; 4 (6) DOI: 10.1093/pnasnexus/pgaf186