Investigadores portugueses descobrem fungo fossilizado com 300 milhões de anos na Serra do Buçaco

É uma descoberta histórica que revelou uma nova classe de fungos importantíssima para compreender as relações simbióticas no reino das plantas durante a Era Paleozoica.

Fungos com 300 milhões de anos fossilizados nas formações geológicas da Bacia do Buçaco
Com apenas 1,6 milímetros de diâmetro, os fósseis agora descobertos foram autênticos gigantes entre os esporos de fungos da classe Glomeromycetes que existiram no final do período Carbonífero. Imagem: Universidade de Coimbra

Fungos com 300 milhões de anos fossilizados encontrados nas formações geológicas da Bacia do Buçaco, na região de Anadia, é uma descoberta histórica, que deixou os investigadores portugueses inicialmente incrédulos.

Estamos diante de fósseis com uma dimensão insignificante somente na aparência: com apenas 1,6 milímetros de diâmetro, foram autênticos gigantes entre os esporos de fungos da classe Glomeromycetes que reinaram no final do período Carbonífero (compreendido entre 358,86 e 298,9 milhões de anos).

Nunca antes documentado entre os fungos da sua classe ou sequer entre outras espécies com relações simbióticas com raízes e plantas, o seu achado constitui um avanço decisivo na investigação de fungos primitivos, permitindo compreender com maior profundidade os processos ecológicos que moldaram a flora da Era Paleozoica.

Uma revelação para a ciência

Estamos, portanto, diante de um novo género e de uma nova espécie – apelidada de Megaglomerospora lealiae – que representam os maiores esporos alguma vez documentado para a categoria de Glomeromycota do reino dos fungos.

Parque Nacional do Bussaco
A Serra do Bussaco corresponde a uma bacia geológica montanhosa, formada durante o Carbónico Superior, há cerca de 300 milhões de anos. Imagem: Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian

A descoberta, liderada pelo paleontólogo Pedro Correia, investigador do Centro de Geociências, da Universidade de Coimbra, deu a conhecer uma forma gigante de esporos de fungos micorrízicos até agora completamente desconhecida para a ciência.

Mas deixemos de lado algum do jargão da ciência para tentar entender o alcance e a importância desta investigação, publicada na revista científica Geobio.

Abundância de oxigénio e escassez de dióxido de carbono

No final do período Carbonífero, as concentrações atmosféricas de oxigénio atingiram níveis excecionalmente elevados, estimados entre 30% a 35%, muito acima dos cerca de 21% atuais.

Esta abundante disponibilidade de oxigénio permitiu o desenvolvimento de estruturas de grandes dimensões, capazes de explorar vastas áreas radiculares para a troca eficiente de nutrientes entre organismos fúngicos e plantas, uma adaptação crucial num ambiente ecológico altamente competitivo e biologicamente diversificado na época.

As concentrações atmosféricas de dióxido de carbono, por outro lado, eram relativamente baixas comparadas com outros períodos geológicos. A diminuição de CO₂, em combinação com o aumento da biomassa vegetal, exigiu uma maior eficiência na absorção de nutrientes pelas plantas, o que potencialmente impulsionou a simbiose com fungos micorrízicos.

Flora e fauna da Era Paleozoica
A flora na Era Paleozoica foi marcada por uma evolução gradual desde plantas aquáticas e terrestres primitivas até a formação de grandes florestas. Imagem: paleo_bear, CC BY 2.0, via Flickr

Estes fungos desempenharam, como tal, um papel essencial na otimização da captação nutrientes essenciais, promovendo o desenvolvimento de extensas redes micorrízicas e, consequentemente, de estruturas fúngicas de grandes dimensões, quando comparadas com as atuais.

A rede radicular de fungos que suporta a floresta

Estes fungos da espécie Megaglomerospora lealiae ajudaram a construir sistemas simbióticos entre plantas e fungos, com uma função vital no ecossistema, especialmente no que diz respeito à exploração e absorção de nutrientes pelo solo.

Sabemos atualmente que as árvores, numa floresta, comunicam entre si através do micélio – uma emaranhada teia subterrânea de raízes e de fungos a ligar todo o ecossistema.

Esta espécie de internet vegetal é usada pelas árvores para enviar sinais químicos e conseguir determinar quais as plantas mais necessitadas de carbono, nitrogénio ou fósforo e quais estão em condições de fornecer esses nutrientes através desta complexa estrutura subterrânea de raízes e fungos.

Os sinais andam para trás e para diante, levando e trazendo informação e substâncias essenciais para a floresta encontrar o seu equilíbrio.

O papel dos fungos na Era Paleozoica

A relevância desta descoberta, em particular, reside na confirmação de que as associações simbióticas já executavam uma tarefa crucial na estruturação dos ecossistemas terrestres há cerca de 300 milhões de anos.

O estudo destes fósseis de fungos primitivos, agora descritos, fornece informações valiosas sobre as interações com as plantas no período Carbonífero, caracterizado essencialmente por condições climáticas subtropicais, temperaturas e humidade elevadas, que favoreceram a formação de grandes extensões de bosques e florestas.

A investigação decorreu em colaboração com Artur Sá, professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e Zélia Pereira, investigadora do Laboratório Nacional de Energia e Geologia.

Cogumelo e micélio
O micélio dos fungos forma uma intrincada rede subterrânea a ligar florestas inteiras, transportando nutrientes do solo para as plantas. Imagem: Adobe Stock

A nova espécie é dedicada a Fernanda Leal, aluna de doutoramento da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da mesma universidade, que contribuiu para a classificação dos fungos fósseis agora descritos pela primeira vez na ciência.

Referência do artigo

Pedro Correia, Artur A. Sá & Zélia Pereira. Megaglomerospora lealiae nov. gen., nov. sp. from the upper Carboniferous of Portugal: the largest glomeromycotan fungal spores. Jornal internacional Geobios.

Sara Machado. Descobertos fósseis de fungos gigantes com 300 milhões de anos na região de Aveiro. Universidade de Coimbra.