O que parece uma simples capela é, afinal, um dos lugares mais antigos de Portugal
Entre casas brancas alentejanas, ergue-se um monumento que desafia o tempo. Foi túmulo, tornou-se capela e continua a intrigar quem o visita. Já ouviu falar dele?

Em Pavia, no concelho de Mora, há um monumento que obriga qualquer visitante a parar e olhar duas vezes. À primeira vista, parece uma capela comum, pequena e modesta, como tantas outras no Alentejo. Mas, basta aproximar-se para perceber que as suas paredes não foram erguidas na Idade Moderna, nem com tijolo ou cal — são blocos de granito com mais de cinco mil anos.
“É uma das maiores da Península Ibérica, considerada também como a mais significativa Anta-Capela de Portugal”, lê-se no site da Câmara Municipal de Mora.
Da pré-história ao cristianismo: uma linha ininterrupta de história
Entre o IV e o III milénio antes de Cristo, comunidades agrícolas do Neolítico ergueram, no atual território de Pavia, uma grande anta de corredor — um túmulo coletivo feito de pedras colossais, coberto por um monte de terra e pedra conhecido como mamoa. Esta estrutura servia rituais funerários e tinha um significado espiritual profundo para as populações da época.
Com o tempo, a mamoa desapareceu, mas a câmara central manteve-se praticamente intacta: sete enormes esteios de granito sustentam ainda hoje a laje que cobre o espaço onde outrora se depositavam os mortos.
Mas, a história não terminou aí. Já durante a Idade Média, e provavelmente no século XVII, o antigo dólmen foi transformado em capela, num processo de reaproveitamento que não era incomum, mas que aqui atingiu uma forma rara e completa. Dedicada a São Dinis (ou São Dionísio), a capela foi também uma forma de homenagear o rei D. Dinis, responsável pela concessão do foral a Pavia.
No interior, o altar é decorado com azulejos setecentistas de tons azuis e brancos, cujo brilho discreto contrasta com a austeridade da pedra bruta. A junção destes dois mundos — o sagrado cristão e o espírito ancestral — confere ao espaço uma força silenciosa que se sente mais do que se explica.
Um caso único no país
A Anta-Capela de São Dinis destaca-se por um detalhe extraordinário: está situada em pleno centro urbano, no Largo dos Combatentes da Grande Guerra. É provavelmente o único exemplo conhecido em Portugal de uma anta integrada num contexto de vila, cercada por casas e ruas estreitas. Essa presença no quotidiano da população torna o monumento ainda mais singular.

Com cerca de quatro metros de diâmetro e três de altura, é também uma das maiores antas da Península Ibérica e foi classificada como Monumento Nacional em 1910. O local tem sido objeto de investigação há mais de um século. Em 1914, o arqueólogo Vergílio Correia realizou os primeiros estudos sistemáticos, e em 2013 e 2014, uma equipa da Universidade de Évora, liderada por Leonor Rocha, confirmou a existência de vestígios do corredor original, acrescentando novas informações sobre a estrutura e o seu uso original.
Nos últimos anos, o município de Mora tem apostado na valorização do património local. Em 2025, foi inaugurado um novo sistema de iluminação exterior que realça a forma e o volume das pedras, permitindo que a Anta-Capela revele um novo rosto ao cair da noite.
Um monumento que desafia o tempo
Visitar a Anta-Capela de São Dinis é muito mais do que ver uma curiosidade arqueológica. É observar, num mesmo espaço, milhares de anos de história condensados em pedra. Ali cruzam-se os vestígios do Neolítico, a religiosidade medieval e a persistência das comunidades alentejanas que continuam a cuidar do lugar.
O melhor é que Pavia guarda outros pontos de interesse que ajudam a contextualizar este património. A Casa-Museu Manuel Ribeiro de Pavia, dedicada ao artista neorrealista nascido na vila, e o Museu Interativo do Megalitismo, em Mora, que explica de forma acessível o fenómeno das construções megalíticas da região, são dois deles.