Se passarmos anos no pico do Everest, vivemos mais do que ao nível do mar?

Será que se pudéssemos viver no pico do Everest por alguns anos, estaríamos a prolongar ou a diminuir o nosso tempo de vida? Esta é uma pergunta à qual a Física responde e inclusive é possível calcular esta diferença.

Como o tempo passa em diferentes pontos da Terra?
Como o tempo passa em diferentes pontos da Terra? O tempo é relativo, dependendo do local onde estiver.

O físico Isaac Newton introduziu a Teoria da Gravitação Universal no seu livro Principia. Newton era um dos pioneiros em explicar como a gravidade funciona e como os planetas permanecem a orbitar o Sol. Além da famosa história da maçã a cair na sua cabeça.

Séculos depois, outro físico bastante famoso chamado Albert Einstein estava a refletir sobre a gravidade e sobre a teoria que Newton tinha proposto. Einstein estudou a fundo a teoria de Newton e, anos depois, deu mais um passo na compreensão da gravidade com a sua Teoria da Relatividade Geral.

Uma das novidades que a relatividade trouxe foi que o tempo já não era absoluto como Newton pensava, ou seja, o tempo não era igual em todos os pontos do Universo. Na verdade, o tempo é relativo e passa de forma diferente, dependendo da velocidade a que você estiver ou onde você estiver.

Isto levanta a questão: existe algum lugar no qual o tempo passa de forma tão diferente que podemos viver mais? Será que existe este lugar aqui na Terra?

Teoria da Relatividade Geral

No início do século passado, Einstein publicou dois trabalhos importantes na compreensão da gravidade. Primeiro, ele introduziu a relatividade restrita e alguns anos depois, expandiu para a relatividade geral.

Nestes trabalhos, Einstein mostrou que o Universo é compreendido de 3 dimensões espaciais e 1 dimensão temporal. Isto levou o nome de espaço-tempo.

No trabalho de Einstein, o tempo deixa de ser algo absoluto e passa a ser tratado como algo relativo.

Einstein também mostrou que a massa ou energia pode curvar o espaço-tempo e isto nós conhecemos como gravidade. Ou seja, estamos presos na superfície terrestre porque a massa da Terra curva o espaço-tempo. Isto levou o nome de Relatividade Geral.

O tempo é relativo!

Um dos resultados diretos da relatividade geral é que o tempo pode passar de forma diferente, dependendo do ponto onde você estiver. Quanto mais próximo de um objeto com massa, mais lentamente o tempo passa em relação a um ponto distante.

Este efeito conhecido como dilatação do tempo gravitacional é bem explicado no filme "Interestelar". No filme, vemos que o astronauta na nave envelheceu muito mais rápido do que os protagonistas que viajam até a um planeta que está próximo de um buraco negro.

Buraco negro Gargantua do filme Interestelar.
Buraco negro Gargantua que distorce o tempo no filme Interestelar. No filme é mostrada a dilatação do tempo. Crédito: Warner Bros. Pictures

Mas não precisamos de estar na borda de um buraco negro para perceber este efeito da relatividade geral, na verdade, podemos observar isto até mesmo aqui na Terra.

Apesar do efeito ser bem mais leve na Terra, ainda é o suficiente para que satélites de GPS necessitem de correções relativísticas para funcionar bem.

Como calcular a diferença de tempo?

A equação por trás vem diretamente das equações que Einstein introduziu. A equação da dilatação temporal é dada pela fórmula:

onde G é a constante gravitacional, R é a distância do centro de massa, M é a massa do objeto e c é a velocidade da luz. ∆t0 é a diferença de tempo medido na base desse objeto e ∆t é a diferença de tempo medida na distância R.

É bom lembrar que para alguém a viver na distância R, o tempo passa normalmente para ela. A diferença só é percetível se comparada com alguém a viver na base.

Vivemos mais ou menos no Everest?

Podemos calcular este efeito aqui na Terra, comparando alguém a viver ao nível do mar com alguém a viver no pico do Everest. Primeiro, vamos supor que um dia ao nível do mar tem 86.400 segundos e que o Everest tem 8.849 em relação ao nível do mar.

Usando a massa da Terra e a altura do Everest como a distância, vemos que enquanto passou um dia ao nível do mar, no pico do Everest passou-se um dia mais 0.00005999448 segundos.

O pico do Everest tem uma dilatação temporal de 0.00005999448 segundos em relação ao nível do mar!

Agora, supondo que consideramos 5 anos de 365 dias, vemos que no Everest passaram-se 5 anos mais 0.1 segundos em relação ao nível do mar. Por outras palavras, se você tivesse passado 5 anos no pico do Everest, quando voltasse para o nível do mar, estaria 0.1 segundo mais velho!

Na Terra o efeito é muito fraco!

Para nós, não compensa viver no frio do pico do Everest durante tanto tempo para ficar 0.1 segundo mais velho.

Contudo, ao lado de um buraco negro, a dilatação temporal pode ser de vários anos como em "Interestelar", é praticamente uma viagem no tempo em poucas horas.