Quem nunca ficou com uma palavra presa debaixo da língua? Saiba como o cérebro trabalha para recuperá-las

O cérebro usa três regiões específicas para recuperar as palavras esquecidas, mas a melhor forma de evitar que fiquem presas na língua é não desistir diante do primeiro obstáculo.

Rapaz sorridente com a língua de fora
Nomes de pessoas e de objetos são as palavras que tendem a desparecer mais facilmente durante os lapsos momentâneos de memória. Imagem gerada com IA.

Interromper uma conversa entre amigos ou colegas por não nos lembramos do nome de um artista ou do título de um filme é uma experiência familiar para quase toda a gente.

Sabemos que a nossa memória guardou a informação e, ainda assim, não conseguimos alcançá-la. O fenómeno, conhecido como ter uma palavra debaixo da língua, tem sido largamente estudado.

Os investigadores acreditam que esses episódios acontecem mais vezes quando estamos cansados, mas não há ainda certezas definitivas sobre as suas causas.

Se há quem culpe o natural declínio cognitivo que acontece com o avançar da idade, há também especialistas a defenderem que as falhas de memória podem ser resultado da acumulação de conhecimento.

Bibliotecária numa biblioteca fantasiada
Para o cérebro, encontrar as palavras esquecidas é como vasculhar uma biblioteca à procura da informação certa. Foto: imagem gerada por IA.

O certo é que a maioria dos adultos já passou por isso e não está livre de voltar a passar. As palavras mais problemáticas, descobriram os investigadores, são nomes próprios e nomes de objetos. Essa incapacidade pode durar de uma fração de segundo, minutos ou até horas, e ser exasperante.

O que acontece quando a memória prega partidas?

Sempre que as palavras ficam presas debaixo da língua, várias regiões do cérebro vêm ao nosso auxílio. No artigo “What happens in the brain when there’s a word ‘on the tip of the tongue’?”, publicado no website The Conversation, Frédéric Bernard, neuropsicólogo da Universidade de Estrasburgo, usa uma analogia perfeita para descrever esse trabalho.

Três regiões cerebrais - o córtex cingulado anterior, o córtex pré-frontal e a ínsula – são como bibliotecários que, diante de uma vasta biblioteca, procuram o livro específico para localizar o termo ou palavra que nos falta.

O córtex cingulado anterior é o primeiro a se dar conta da nossa frustração, sinalizando o problema e procurando pela solução. O córtex pré-frontal verifica a informação pesquisada e certifica-se de que as lembranças recuperadas correspondem ao que se procura.

A ínsula, localizada numa zona mais profunda do cérebro, entra em ação logo a seguir, ajudando a encontrar os sons que compõem a palavra recuperada da memória.

Será que os esquecimentos pioram com a idade?

Estudos recentes têm demonstrado que essas falhas momentâneas da memória acontecem com mais frequência à medida que envelhecemos.

Com o tempo, o córtex cingulado anterior e a ínsula tendem a atrofiar e a perder agilidade para localizar e resgatar as palavras perdidas.

O neuropsicólogo Frédéric Bernard diz que a nossa biblioteca se torna mais desorganizada, com livros mal etiquetados nas prateleiras, dificultando a tarefa dos nossos funcionários.

Quando envelhecemos, também a ínsula se torna mais lenta a reunir a informação necessária para atribuir os sons corretos de uma palavra familiar que teima em não aparecer.

Ou será que temos mais informação para gerir?

Outros especialistas, no entanto, argumentam que a questão central não é a idade, mas sim o conhecimento. Os mais velhos têm maiores volumes de informação acumulada na memória de longo prazo e, por isso, a procura pelas palavras perdidas é um processo que tende a ser mais frequente.

Idoso junto à lareira e rodeado de molduras com fotos antigas de familiares
O remédio para evitar que as palavras fiquem presas debaixo da língua é não desistir de procurá-las. Imagem gerada por IA.

Mas, por mais frustrante que seja, os investigadores encorajam a não desistir. Afinal, os lapsos repentinos de memória significam que a informação procurada é familiar, mesmo que não esteja disponível naquele momento. Investindo mais tempo para trazê-la de volta pode, em última análise, conduzir ao sucesso.

Visto de um outro prisma, a sensação de ter uma palavra presa debaixo da língua pode querer dizer que temos os instrumentos certos para conseguir encontrá-la.

As investigações mais recentes sugerem, aliás, que manter o cérebro ocupado a recuperar as palavras esquecidas é a melhor forma de evitar que esses episódios se repitam com frequência.

Da próxima vez que tiver uma branca, lembre-se disso e exija aos seus bibliotecários que continuem a busca. Se sabemos que o livro existe na nossa biblioteca, então, é só uma questão de não desistir.

Referências da notícia

Frédéric Bernard. What happens in the brain when there’s a word ‘on the tip of the tongue’? The Conversation

Deborah M. Burke & Meredith A. Shafto. Aging and Language Production. Sage Journal

Meredith A. Shafto, Deborah M. Burke, Emmanuel A. Stamatakis, Phyllis P. Tam, & Lorraine K. Tyler. On the Tip-of-the-Tongue: Neural Correlates of Increased Word-finding Failures in Normal Aging. Journal of Cognitive Neuroscience