Portugal tem um território viável para a energia eólica? Estudo publicado propõe solução para acelerar renováveis
Num contexto de emergência climática e metas ambiciosas da UE, um novo estudo revela que apenas uma pequena fração do território português é compatível com energias eólicas. A investigação propõe um método inovador para identificar "áreas de aceleração" e evitar conflitos ambientais e sociais.

Num contexto de emergência climática e das metas estabelecidas na União Europeia, coloca-se a questão como expandir a energia eólica sem comprometer a biodiversidade, os valores naturais e a aceitação pública? Um novo estudo publicado na Journal of Cleaner Production, liderado por Pilar Diaz Cuevas, da Universidade de Sevilha, e em que participa, Hélder Silva Lopes, colaborador da Meteored, oferece uma resposta concreta e sistematizada a esta questão, revelando que apenas 5 % do território continental português é compatível com a instalação de parques eólicos, quando considerados os critérios ambientais, técnicos e sociais.
Estudo propõe “áreas de aceleração” para orientar a energia eólica em Portugal
Os investigadores aplicaram uma metodologia de análise espacial multicritério para mapear as áreas com maior aptidão para energia eólica, cruzando dados de velocidade do vento, declive, proximidade a infraestruturas, densidade populacional, áreas protegidas, habitats sensíveis e exclusões legais nacionais e europeias. Este método alinha-se diretamente com a nova Diretiva das Energias Renováveis (RED III), aprovada em 2023, que introduz o conceito de renewables go-to areas — áreas onde os procedimentos de licenciamento devem ser simplificados e mais rápidos, desde que garantam critérios de sustentabilidade.
A proposta dos autores não é restringir a expansão da energia renovável, mas orientá-la estrategicamente para territórios onde a implantação possa ser feita com menor risco de conflito ambiental ou social. A delimitação prévia destas áreas - designadas como “áreas de aceleração” — permite reduzir significativamente o tempo de licenciamento, evitar projetos inviáveis, proteger ecossistemas frágeis e aumentar a segurança jurídica para os investidores.
Ao mesmo tempo, respeita diretivas europeias como a Rede Natura 2000, a Diretiva Aves e a Diretiva Habitats. Este tipo de planeamento espacial é defendido pela Comissão Europeia como essencial para alcançar as metas do Pacto Ecológico Europeu, nomeadamente a de 42,5 % de renováveis no consumo final até 2030, conforme previsto na estratégia REPowerEU.
Com base científica e ordenamento territorial, estudo propõe transição energética acelerada sem comprometer ambiente nem justiça social
Apesar da limitada disponibilidade territorial identificada pelo estudo, os autores argumentam que a metodologia é replicável, escalável e aplicável a outras fontes de energia renovável, como a solar fotovoltaica ou a eólica offshore. Trata-se de criar uma base técnica sólida e transparente para acelerar a transição energética sem recorrer a “atalhos” ambientais.
O planeamento com base em dados geográficos e critérios multidimensionais evita o risco de projetos que, embora tecnicamente viáveis, seriam socialmente contestados ou ambientalmente prejudiciais. Isto responde aos alertas lançados pela Agência Europeia do Ambiente em 2023, que advertiu para os riscos de uma expansão desordenada das renováveis sem salvaguardas ecológicas rígidas.

Para que esta abordagem tenha impacte a nível nacional, o estudo recomenda que o conceito de “áreas de aceleração” seja formalmente adotado nos instrumentos de ordenamento do território, como os Planos Diretores Municipais (PDM) e outros planos setoriais. Além disso, propõe-se a inclusão de critérios adicionais como proximidade à rede elétrica, capacidade de evacuação e envolvimento público através de consultas participadas. A digitalização dos processos de licenciamento e a atualização contínua da base de dados espaciais são igualmente apontadas como fatores críticos de sucesso.
Ao combinar o rigor técnico com visão estratégica, o estudo pode contribuir com uma ferramenta concreta para os decisores políticos portugueses e europeus. A constatação de que 95 % do território nacional é, atualmente, inadequado para eólica terrestre não deve ser vista como uma barreira, mas como um convite à atuação focada, eficiente e sustentável. Em vez de insistir em projetos onde o conflito é inevitável, a proposta é avançar com base em ciência, dados e participação cidadã. A chave para uma transição energética bem-sucedida está em alinhar três objetivos: descarbonizar rapidamente, proteger a biodiversidade e garantir justiça territorial. Este estudo demonstra que isso é possível — desde que se planeie com inteligência, cautela e compromisso com o bem comum.
Referência da notícia
Díaz-Cuevas, P., Pérez-Pérez, B., Lopes, H. S., & Ferreira, P. (2025). Addressing Acceleration Areas for Renewable Energy Development in the European Union (EU): A Case Study of Mainland Portugal. Journal of Cleaner Production, 519, 145748.