Ondas de calor fazem disparar consumo de açúcar: saiba como este fenómeno provoca impacto nas desigualdades sociais
Ondas de calor fazem disparar consumo de açúcar, e os mais pobres são os mais afetados. Saiba mais aqui!

Um novo estudo publicado em setembro de 2025 na revista Nature Climate Change, investiga de forma pioneira como o aumento das temperaturas influencia o consumo de açúcares adicionados nos Estados Unidos, explorando não apenas os padrões gerais de consumo, mas também as desigualdades sociais associadas a esse fenómeno.
A pesquisa utiliza dados de compras domésticas recolhidos entre 2004 e 2019, o que permitiu analisar milhões de transações e identificar tendências robustas no comportamento alimentar da população americana em resposta a variações térmicas.
Quais os resultados obtidos?
Os resultados revelam uma relação clara entre o calor e o aumento do consumo de açúcar, especialmente entre 12 °C e 30 °C, faixa em que cada grau adicional leva a um acréscimo de cerca de 0,70 gramas de açúcar por pessoa e por dia.
Este aumento é fortemente impulsionado pelas bebidas açucaradas, responsáveis por cerca de 0,73 gramas adicionais por grau, confirmando o papel central que refrigerantes, sumos artificiais e outras bebidas industrializadas têm na dieta em climas mais quentes.

Produtos como gelados e sobremesas congeladas também mostram um aumento, embora menos significativo (cerca de 0,06 gramas por grau), enquanto categorias como padarias, óleos e açúcares crus apresentam redução no consumo, sugerindo que as escolhas alimentares em dias mais quentes privilegiam itens que proporcionam maior sensação de frescura e hidratação.
Curiosamente, abaixo de 12 °C, o efeito da temperatura é quase nulo (0,09 g/°C), e acima de 30 °C o consumo estabiliza ou até diminui ligeiramente, provavelmente devido ao efeito fisiológico do calor intenso, que tende a suprimir o apetite.
Será que existem diferenças quando analisamos os resultados pelo níveis de escolaridade?
Um dos aspetos mais relevantes do estudo é a análise das desigualdades sociais. Famílias com rendimentos baixos e níveis de escolaridade mais reduzidos mostram-se muito mais suscetíveis a este aumento no consumo de açúcar em dias quentes. Já os grupos com maior poder económico e maior nível educacional não apresentam praticamente alterações, sugerindo que têm mais opções de substituição alimentar ou maior consciência dos riscos do consumo excessivo de açúcar.

Além do estatuto socioeconómico, outros fatores modelam esta relação: indivíduos que trabalham ao ar livre estão mais expostos e tendem a aumentar mais o consumo, tal como aqueles que já têm hábitos de consumo frequente de bebidas açucaradas. Diferenças por género e etnia também são observadas, revelando que a vulnerabilidade não se distribui de forma homogénea na população.
Quais as projeções futuras?
O estudo vai além da análise histórica e procura projetar os impactos futuros das alterações climáticas. Num cenário extremo de aquecimento global (SSP5-8.5), em que as temperaturas médias poderão subir até 5 °C até 2095, estima-se que o consumo adicional de açúcar possa ultrapassar os 2,9 gramas por pessoa e por dia. Embora possa parecer um valor modesto, este aumento constante, agregado a nível populacional, representa um risco significativo para a saúde pública, pois está diretamente associado ao agravamento de doenças como a obesidade, a diabetes tipo 2 e as patologias cardiovasculares.

Os autores sublinham a necessidade de integrar estas evidências em políticas de saúde pública e em estratégias de adaptação às alterações climáticas. Medidas como campanhas de sensibilização, incentivos à redução do consumo de bebidas açucaradas, regulamentação da indústria alimentar e promoção de alternativas acessíveis e saudáveis são apontadas como formas de mitigar os riscos.
Em suma, este trabalho mostra que o aquecimento global não afeta apenas ecossistemas e sistemas produtivos, mas também influencia diretamente os hábitos de consumo alimentar e, consequentemente, a saúde humana. O aumento do consumo de açúcar em resposta ao calor é um exemplo claro de como as alterações climáticas podem agravar problemas já existentes, como a má nutrição e as doenças crónicas, e de como estas consequências recaem de forma desproporcionada sobre os grupos sociais mais vulneráveis.
Referência da notícia
He, P., Xu, Z., Chan, D. et al. Rising temperatures increase added sugar intake disproportionately in disadvantaged groups in the USA. Nat. Clim. Chang. 15, 963–970 (2025). https://doi.org/10.1038/s41558-025-02398-8