O "Santo Graal" Australiano: rangers indígenas encontram a maior população mundial do Papagaio-Noturno
O Deserto Mais Selvagem: Spinifex, Dingos e a maior população de Papagaios-Noturnos. Descubra o coração de fogo e areia da Austrália Ocidental, um tesouro indígena e natural. Saiba mais aqui!

A colaboração pioneira entre os Ngururrpa Rangers (equipa de Guardas Indígenas (Indigenous Rangers) na Austrália Ocidental) e cientistas na Área Protegida Indígena (IPA) Ngururrpa, no Grande Deserto Arenoso da Austrália Ocidental, resultou na descoberta da maior população conhecida de Papagaios-Noturnos (Pezoporus occidentalis) no mundo, uma espécie classificada como Em Perigo.
Antes de 2020, as deteções desta ave noturna e elusiva eram apenas ocasionais na Austrália Ocidental, mas os inquéritos acústicos extensivos realizados pelos Rangers entre 2020 e 2023 revelaram a presença da ave em 17 dos 31 locais monitorizados no IPA Ngururrpa.
Através da análise dos padrões de chamamento e da extrapolação da taxa de ocupação, os investigadores estimam que existam pelo menos 40 a 50 Papagaios-Noturnos nesta área, um sucesso sem precedentes que combina o conhecimento tradicional indígena com a ciência moderna.

O habitat desta população vital tem semelhanças com o habitat de Queensland, sendo que em ambas as áreas, as aves usam a mesma espécie de spinifex (Triodia longiceps), para poleiro. Este habitat de poleiro é encontrado em manchas de spinifex maduro (pelo menos 14 anos sem queimar) em planícies de gibber, são essencialmente um tipo de pavimento do deserto ou deserto pedregoso, situadas perto de pastagens mais produtivas em solos aluviais que servem de potenciais zonas de alimentação.
Mas afinal o que pode ameaçar os Papagaios-Noturnos?
A principal e mais crítica diferença é a ameaça de incêndios florestais.
Enquanto no Queensland o habitat está rodeado por solo pedregoso que limita o fogo, o território de Ngururrpa está inserido numa paisagem de areais de spinifex altamente inflamáveis, sujeita a grandes e quentes incêndios a cada 6 a 10 anos.
Um incêndio de 2023, por exemplo, reduziu o habitat de poleiro maduro numa área central ocupada em 76%, sendo que o spinifex demonstrou incapacidade de rebentar após o fogo, dependendo da lenta regeneração a partir de sementes. Desta forma, o fogo representa uma ameaça muito mais significativa para esta população do que para a de Queensland.

Em relação à predação, o estudo validou a importância dos dingos (Canis dingo) no ecossistema de Ngururrpa, que foram a espécie predadora mais frequentemente registada nas áreas de poleiro. Crucialmente, a análise dietética das fezes de dingo revelou que contribuía com a maior parte da biomassa predada, sendo o seu consumo regular um fator que, segundo os investigadores, pode estar a amortecer a ameaça que os dingos representam para o Papagaio-Noturno.
Por outro lado, o camelo feral, embora predominantemente herbívoro, foi registado com frequência, constituindo uma ameaça de competição por importantes recursos alimentares e hídricos nas secas, e de perturbação direta do habitat.

Dada a identificação do fogo como uma ameaça central e o papel protetor do dingo, as recomendações de gestão focam-se em manter a natureza remota da área e, sobretudo, em realizar queimas estratégicas na estação fresca para reduzir a carga de combustível inflamável na paisagem circundante.
É igualmente recomendado que o controlo de predadores seja estritamente limitado a métodos que não prejudiquem os dingos, reconhecendo o seu papel ecológico benéfico. Os Ngururrpa Rangers planeiam integrar o mapeamento detalhado do habitat e o conhecimento das zonas de alimentação para tornar os seus programas de gestão do fogo mais direcionados, garantindo a sobrevivência desta descoberta vital e única do Papagaio-Noturno.
Referência da notícia
Ngururrpa Rangers, Sunfly Clifford, Schubert Andrew, Reid Angela M., Leseberg Nicholas, Parker Luke, Paltridge Rachel (2024) Potential threats and habitat of the night parrot on the Ngururrpa Indigenous Protected Area. Wildlife Research 51, WR24083.