Investigadores descobrem que a seca pode causar doenças mortais em anfíbios

Os períodos de seca podem ter efeitos significativos adversos na saúde animal. Uma equipa de investigadores concluiu que estes eventos podem diminuir micróbios inibidores de fungos, deixando anfíbios, como os sapos-abóbora, vulneráveis a infeções e à morte. Conheça os pormenores!

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A seca está a fazer perigar a saúde de um vasto conjunto de espécies animais, em particular dos sapos-abóbora (Brachycephalus rotenbergae), residentes no bioma amazónico. Referência: Joyce Cachulo.

Existe hoje um reconhecimento global de que a variabilidade climática e os seus impactos estão a afetar a maioria dos aspetos das nossas vidas com frequência. Alguns desses impactos são, não só observados na vida humana, como também na vida animal, e é sobre ela que falaremos hoje.

A cada vez maior frequência de períodos de seca, já amplamente documentada e bem recentemente vivida e sentida pelos portugueses, está a fazer perigar a vida de um conjunto de seres vivos. Vários estudos têm sugerido que o aumento esperado das temperaturas do ar e os períodos prolongados de seca podem aumentar o risco de morte e piorar a saúde e o bem-estar de muitas espécies, como é o caso dos anfíbios.

As secas não afetam apenas o equilíbrio ecológico dos ecossistemas, podem também ter impactos significativos na saúde animal. A condição de seca pode levar à diminuição do nível da água em cursos de água, fazendo com que os animais partilhem necessariamente espaços mais próximos.

Este fenómeno acaba por criar condições favoráveis ao desenvolvimento e transmissão de doenças parasitárias e infeciosas entre os animais e, potencialmente até, propagar-se para os seres humanos.

A s secas progressivamente severas estão a perturbar os microbiomas de uma espécie de anfíbios

De acordo com um novo estudo realizado por uma equipa de investigação internacional, as secas progressivamente severas estão a perturbar os microbiomas de uma espécie de anfíbios, do tamanho de uma unha, os sapos-abóbora, uma espécie de cor laranja, brilhante e muito venenosa, deixando-os potencialmente vulneráveis a uma doença fúngica mortal.

A descoberta sugere que padrões anormais de precipitação, que deverão piorar devido às alterações climáticas e à desflorestação, podem perturbar relações mutuamente benéficas entre a vida selvagem e os microrganismos, levando ao declínio da biodiversidade.
O estudo foi publicado na revista Ecology Letters e foi liderado pela doutoranda da Penn State (Universidade Estadual da Pensilvânia), Shannon Buttimer, e pelo professor de biologia Guilherme Becker.


A razão que deu origem a este artigo, partiu da descoberta de um conjunto de sapos-abóbora mortos e outros tantos em estado crítico, durante uma campanha de recolha de amostras de bactérias da pele desta espécie, por parte de um dos coautores do estudo, aquando da sua dissertação de mestrado.

O motivo das mortes foi, mais tarde, atribuído à quitridiomicose, uma doença fúngica causada por Batrachochytrium dendrobatidis (Bd), que é uma ameaça para as populações de anfíbios em todo o mundo. Os sapos-abóbora, como muitos outros anfíbios, possuem bactérias inibidoras naturais de Bd na sua pele. Esses micróbios deveriam ajudar a proteger a espécie contra o fungo.

Porque estarão então estes sapos a morrer e porquê todos de uma vez?

Buttimer explicou que o desmatamento desta região da floresta amazónica resultou numa maior variabilidade das chuvas, aumento da duração da seca e, inversamente, em períodos de chuvas mais intensas. Ora, o surto detetado coincidiu com uma recente e periclitante conjuntura, a falta de precipitação neste tão importante bioma. Por esse motivo, a equipa decidiu investigar se poderia, de facto, existir uma ligação entre a seca, o microbioma da pele e a mortalidade.

Para tentar estabelecer tal ligação, utilizaram 237 amostras de pele recolhidas ao longo de um ano, e que permitiram sequenciar geneticamente os microbiomas da pele dos sapos e comparar as informações obtidas com um banco de dados de referência de micróbios da pele identificados como inibidores.

“É muito raro testemunhar a morte de anfíbios na natureza, e muito menos recolher amostras antes e durante um surto”

Shannon Buttimer, coordenadora do estudo.

O banco de dados Amphibac, coordenado por Doug Woodhams, professor assistente de biologia na Universidade de Massachusetts, contém uma lista crescente de sequências de ADN de micróbios cujas propriedades inibitórias foram testadas contra Bd em experiências controladas de laboratório.

A equipa de investigação descobriu que os microbiomas dos sapos recolhidos após períodos de chuvas acima da média eram mais abundantes em inibidores conhecidos de Bd. Em contraste, um mês após a seca, os microbiomas dos sapos tinham menos bactérias inibidoras de Bd conhecidas. A descoberta, segundo os investigadores, indica que a seca pode reduzir a abundância de algumas bactérias inibidoras de Bd, deixando os sapos vulneráveis a doenças fúngicas.

O estudo abarcou também a investigação de métricas de diversidade do microbioma, como a riqueza e composição de espécies. No geral, os investigadores descobriram que níveis mais elevados de riqueza de espécies estavam associados a uma menor gravidade da infeção.

A composição do microbioma também se tornou mais variável após períodos de baixa pluviosidade, indicando que os microbiomas dos sapos podem ter transitado para um estado conhecido como disbiose, onde se tornam menos estáveis e menos funcionais.

Segundo os investigadores, esta maior variabilidade e a perda de micróbios protetores essenciais podem contribuir para o aumento das infeções por quitridiomicose.

“Espero que os nossos resultados encorajem as pessoas a considerar como a desflorestação e as alterações climáticas estão a quebrar simbioses invisíveis e a levar a consequências à escala populacional”

Shannon Buttimer, coordenadora do estudo.

Embora sejam necessárias mais experiências para compreender os mecanismos causais que influenciam o microbioma da pele e a dinâmica do Bd, os investigadores consideram que este estudo sublinha a importância de considerar a saúde do microbioma ao avaliar populações que estão ameaçadas pelas alterações climáticas, perda de habitat e doenças.


Referência da notícia:

Buttimer, S., Moura-Campos, D., Greenspan, S., et. al. Skin microbiome disturbance linked to drought-associated amphibian disease. Ecology Letters. 2024.