Fissura descoberta no Atlântico pode estar na origem dos grandes sismos em Portugal

Investigação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa encontra uma nova explicação para os terramotos de 1755 e 1969.

Sagres, Algarve
A fissura agora identificada situa-se a 200 quilómetros ao largo do Cabo de São Vicente, em Vila do Bispo. Foto: António ML Cabral, via Wikimedia Commons

A 200 quilómetros ao largo do Cabo de São Vicente (Sagres), há uma fissura na placa tectónica que se está a formar há pelo menos cinco milhões de anos, mas só agora foi descoberta pelos investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Segundo o estudo publicado na revista científica Nature Geosciences, a explicação para os sismos de 1969 e 1755 poderá estar na Planície Abissal da Ferradura, uma formação geológica no oceano Atlântico, próxima da montanha submarina do Banco de Gorringe.

Um enigma desvendado

A formação geológica, localizada na fronteira entre as placas tectónicas Euroasiática e Africana, intrigava há muito os cientistas, que não entendiam como uma região com estas características desencadeou sismos de grande magnitude.

Ao longo de décadas de investigação, os sismólogos nunca encontraram uma falha com dimensões suficientes para gerar um sismo como o de 1969 nem tão-pouco como o de 1755, que se acredita ter tido uma intensidade próxima de 9 na escala de Richter.

A investigação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa pode agora trazer pistas importantes para perceber a origem de ambos os sismos. Os fenómenos poderão estar associados a uma porção da placa tectónica que se está a separar num processo muito lento conhecido entre os especialistas como delaminação.

Uma fissura (quase) indetetável

Essa evolução causou uma fratura horizontal e abriu uma fissura como se uma lâmina estivesse a separar a rocha. Como resultado, a parte inferior da placa tectónica está a afundar-se, tendo atingido uma profundidade de 200 quilómetros em direção ao manto da Terra quando o expectável seria que não ultrapassasse os 100 quilómetros.

Pintura das ruínas da Igreja de São Nicolau após o terramto de 1755
Até agora nunca tinha sido descoberta uma estrutura tectónica de dimensões suficientes na região para explicar um evento com a escala do sismo de 1755. Imagem: ruínas da Igreja de São Nicolau após o grande Terramoto de Lisboa/ Jacques Philippe Le Bas (1757)

A parcela superior da placa, por outro lado, manteve a sua posição horizontal inalterada, tornando difícil detetar qualquer alteração geológica naquele local.

Para identificar o processo de separação horizontal da placa, os investigadores recorreram a tomografias sísmicas e sons captados dos próprios sismos para analisar o que estará a ocorrer no fundo do mar.

Ao longo de oito meses, os sismógrafos registaram pequenos tremores de terra, permitindo localizar um “cluster de sismos” a grande profundidade, mas de reduzida magnitude. Fugindo aos padrões habituais, essa atividade, segundo o estudo, demonstra que o processo está a causar alguma sismicidade.

Para entender melhor o fenómeno, os cientistas criaram modelos computacionais que simularam o processo de delaminação. É sabido que o atrito e a energia libertada no movimento das placas originam os sismos. Mas a formação geológica descrita no estudo não é uma falha sísmica.

A sua capacidade de gerar sismos, no entanto, explica-se pelo facto de o espaço criado pelo corte laminado na placa não ficar vazio, sendo imediatamente preenchido por outra rocha.

Os investigadores esperam que o estudo possa dar origem a investigações mais detalhadas sobre aquela zona. Mas este processo de delaminação é já um passo importante a ter em conta na caracterização da perigosidade sísmica de Portugal, já de si considerada elevada pela confluência das placas Africana e Euroasiática.

A instalação de uma nova geração de cabos submarinos, a partir dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, é aliás uma excelente oportunidade para obter mais informações.

Até 2026, os cabos de comunicações, equipados com sensores sísmicos, vão ligar os dois lados do Atlântico, passando pela zona da Planície Abissal da Ferradura, podendo também monitorizar melhor a sismicidade da região.

O avanço da inteligência artificial

A capacidade atual para prever sismos com exatidão é inexistente, mas os autores do estudo relembram que a inteligência artificial (IA) pode vir a representar um progresso significativo.

A IA analisa dados em tempo real, identificando padrões que precedem um sismo, podendo vir a oferecer um aviso prévio de dias ou de semanas. A maioria dos programas, todavia, é ainda bastante imprecisa, sendo a previsibilidade exata de um terramoto uma meta ainda distante.

Capas de jornais com o sismo de 1969
A zona identificada como a origem geográfica do sismo de 1969 não tem qualquer falha evidente que justificasse a sua magnitude. Imagens: Hemeroteca de Lisboa/arquivo digital

Enquanto a tecnologia não evoluiu, o melhor trunfo continua a ser um estudo sistemático dos sismos mais pequenos, que acontecem todos os dias, inclusive em Portugal. Um registo consistente desses dados poderá ser aplicado em modelos estatísticos usados para compreender os sismos de grande magnitude, rematam os investigadores da Universidade de Lisboa.

Referência da notícia

João C. Duarte, Nicolas Riel, Chiara Civiero, Sónia Silva, Filipe M. Rosas, Wouter P. Schellart, Jaime Almeida, Pedro Terrinha & António Ribeiro. Seismic evidence for oceanic plate delamination offshore Southwest Iberia. Nature Geoscience