Está o clima relacionado com a quebra na produção de castanha?

Das atividades pertencentes ao setor primário, a agricultura é a que mais sofre com as alterações climáticas, traduzindo-se em fracas colheitas e produções de qualidade inferior. Será possível relacionar as alterações climáticas com a produção da castanha, em Valpaços, assim como as suas necessidades de sobrevivência e readaptação? Veja aqui!

Castanhas; castanheiro
A zona da Terra Fria Transmontana está a assistir a um fenómeno impensável há 40 anos, com plantações de castanheiros a 900 metros de altitude, mais 200 do que o limite que impunham os manuais.

Um dos problemas mais graves que afeta a sociedade nos dias de hoje são as Alterações Climáticas, e os seus efeitos nefastos. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), as temperaturas médias globais estão a aumentar, os padrões de precipitação a alterar e os fenómenos meteorológicos extremos são cada vez mais frequentes e com maior gravidade.

O setor agroflorestal tem vindo a ser gravemente afetado pelas alterações climáticas nas últimas décadas, especialmente pela ocorrência de eventos extremos, como é o caso do aumento das temperaturas, projetando-se um agravamento até ao final do século XXI. O castanheiro, espécie valiosa, quer pela qualidade da madeira produzida, quer pelo valor do fruto (castanha), constitui-se como importante fonte de rendimento e com expressão significativa nas exportações do setor frutícola em Portugal.

É no concelho de Valpaços, mais precisamente na Serra da Padrela, que se situa a maior mancha de castanha judia da Europa, sendo paralelamente um dos principais centros de produção de castanha de Portugal. São, ao todo, mais de 3700 hectares de soutos, divididos por quase 2000 produtores nas 18 localidades do concelho de Valpaços que fazem parte da DOP “Castanha da Padrela – Castanha da Terra Fria”, variedade judia. A Castanha da Padrela, pelas condições climáticas, é inigualável e impossível de encontrar em qualquer outra parte do mundo.

A ecologia do castanheiro

No que diz respeito à ecologia do castanheiro, este é uma espécie bastante rústica, podendo sobreviver em condições mais ou menos naturais, quase sem intervenção do homem, como sucede quando cultivado em espaço de montanha, embora nestas situações tal acabe por resultar em crescimentos lentos e produções irregulares, que são sempre muito dependentes das características climáticas do ano.

No entanto, quando cultivado em solos e condições favoráveis, as árvores atingem bons crescimentos que se refletem em boas produções. A principal exigência do castanheiro prende-se com as zonas sombrias das encostas voltadas a Norte. Atinge praticamente a máxima produtividade a meia-luz e com temperaturas na ordem dos 24 ºC e 28 ºC, constituindo as cada vez mais elevadas temperaturas de verão um fator de inibição do seu crescimento.

Segundo Gomes-Laranjo (2007), esta espécie tem características adequadas ao clima temperado marítimo (invernos e verões pouco rigorosos). Em estudos até já realizados, indicam ser a temperatura um dos principais fatores, senão o principal, de restrição à produtividade, levando a oscilações da produção que têm ocorrido nos últimos anos.

Castanha Judia
O ano de 2017 foi um exemplo dos efeitos que as alterações climáticas podem ter na produção de castanha, já que a seca e o calor intenso levaram a quebras de produção. Fonte: ClimCast

Geralmente, quando acontecem verões muito quentes, a produtividade decresce, quer em quantidade, quer em calibre. Contrariamente, a falta de água no verão, por mais inesperado que possa parecer, não tem um efeito muito significativo na produtividade, uma vez que as árvores conseguem ir buscar água às camadas mais profundas do solo e beneficiam da menor taxa de evapotranspiração, devido à paragem forçada da fotossíntese nas horas de maior calor.

Segundo Abel Pereira, presidente da associação de produtores florestais ARBOREA, a agricultura transmontana está a sofrer transformações devido ao aquecimento global e às alterações climáticas das últimas décadas, de que o castanheiro é um testemunho natural.

"O castanheiro é um grande indicador de que as coisas estão a mudar" - Abel Pereira, presidente da associação ARBOREA. Por causa do aumento das temperaturas e da menor precipitação média anual.

Segundo ele, "As alterações climáticas estão a afetar a produção e estão a fazer com que nós tenhamos castanheiros já a 900 metros de altitude, o que provavelmente há 40 anos era impossível: ficava-se pelos 700, 800 metros, que era o que se dizia nos manuais escolares. Acima dos 800 metros não havia castanheiro, hoje há castanheiros a 900 metros.".

Para o dirigente da associação que se dedica sobretudo a esta cultura, "o castanheiro é um grande indicador de que as coisas estão a mudar", com as temperaturas a subir e a precipitação média anual a descer. A menor precipitação leva também a “uma descida muito grande a nível de humidade dos solos”, o que implica a necessidade de regar culturas como o castanheiro, tipicamente de sequeiro.

As doenças do castanheiro

Com o aquecimento global há doenças que estão a afetar cada vez mais o castanheiro, como é o caso do cancro do castanheiro, a doença da tinta e a vespa dos galhos. Estas doenças tendem a espalhar-se à medida que os verões se tornam mais e mais inclementes, e a paisagem vai mudando em consequência dessa alteração. Estas doenças têm sido responsáveis pela redução da área do castanheiro em toda a Europa.

Os cenários das alterações climáticas fazem prever algumas mudanças na produção da castanha em Valpaços. O aumento da temperatura afetará, em grande medida, a produção da castanha deste concelho, devendo considerar-se a criação de novos soutos nas serras da Padrela para altitudes na ordem dos 1.000 metros.

Antecipar futuros cenários das alterações climáticas para esta região poderá ser fundamental para proteger esta cultura, e promover políticas sustentadas de readaptação das culturas e/ou inclusão de outras em detrimento daquelas que, fruto das alterações climáticas, se considerem menos produtivas.