Crianças com surdez incurável recuperam a audição graças à terapia génica
Nove crianças com surdez congénita recuperaram a audição através de uma terapia génica inovadora que corrige o gene OTOF, responsável pela transmissão do som ao cérebro. Descubra mais aqui!

Um grupo de nove crianças que nasceram completamente surdas voltou a ouvir graças a um tratamento inovador baseado em terapia génica.
O ensaio clínico, realizado em Espanha, China e Estados Unidos, representa um marco histórico na medicina e abre novas perspetivas para o tratamento de diversas formas de surdez genética até agora consideradas incuráveis.
Um avanço que parecia impossível
As crianças tratadas sofriam de uma forma rara de surdez congénita provocada por mutações no gene OTOF (otoferlina). Este gene é essencial para o funcionamento das células ciliadas do ouvido interno, responsáveis por transformar as vibrações sonoras em impulsos elétricos que o cérebro interpreta como som.
Quando o gene OTOF não funciona corretamente, o som chega ao ouvido, mas não é transmitido ao cérebro. Até agora, a única solução para estas crianças era o implante coclear, um dispositivo eletrónico que estimula diretamente o nervo auditivo, mas que não devolve a audição natural.
A terapia génica, porém, tem um objetivo diferente: restaurar o funcionamento biológico do ouvido.
Como funciona a terapia génica
A equipa médica introduziu uma cópia funcional do gene OTOF nas células auditivas do ouvido interno através de um vector viral, um vírus modificado para transportar o material genético saudável sem causar infeção. Este vetor é injetado na cóclea, a parte do ouvido responsável pela perceção do som.
Depois de algumas semanas, as células começam a produzir a proteína otoferlina em quantidades normais, restabelecendo o mecanismo de transmissão do som. Os resultados têm sido descritos pelos médicos como “emocionantes”.
Várias crianças que nunca tinham ouvido começaram, gradualmente, a reagir a sons, reconhecer vozes e até pronunciar as primeiras palavras. Num dos casos, uma menina de dois anos, tratada no Hospital Sant Joan de Déu, em Barcelona, reconheceu pela primeira vez a voz da mãe apenas semanas após a intervenção.
Um esforço internacional
O estudo faz parte de um projeto internacional de investigação sobre terapias génicas aplicadas à audição. Em Espanha, a equipa do Hospital Sant Joan de Déu colabora com o Instituto de Investigação Biomédica de Bellvitge (IDIBELL) e com o Instituto de Microcirurgia Ocular (IMO).
Ensaios semelhantes decorrem também na China, onde algumas das primeiras cirurgias foram realizadas, e nos Estados Unidos, onde o tratamento está a ser avaliado pela agência reguladora FDA.

O sucesso dos primeiros casos oferece esperança a milhares de famílias em todo o mundo. Estima-se que cerca de um em cada mil bebés nasça com algum grau de surdez profunda, e que até 60% desses casos tenham origem genética. A mutação do gene OTOF é uma das causas mais comuns.
Um futuro com novas possibilidades
Os investigadores sublinham que, embora os resultados sejam muito promissores, é necessário continuar a acompanhar as crianças a longo prazo para confirmar a segurança e a durabilidade do tratamento.
Ainda assim, este avanço abre caminho a novas terapias para outras formas de surdez genética, e até para algumas formas de surdez adquirida.
Dr. Miquel Bernal, orrinolaringologista e diretor do estudo em Espanha.
Para os especialistas, trata-se de uma mudança de paradigma: em vez de compensar a perda auditiva com dispositivos eletrónicos, a medicina poderá agora corrigir a origem do problema no ADN.
Esperança e emoção
Para as famílias, o impacto é profundo. Muitos pais descrevem o momento em que os filhos reagiram pela primeira vez a sons como “milagroso”. Uma das mães contou que, após a cirurgia, a filha começou a sorrir quando ouvia música: “Foi como se tivesse acordado para um novo mundo”.
Ainda que a terapia génica continue em fase experimental e o seu custo seja elevado, o sucesso destes primeiros casos marca um passo decisivo para o futuro da medicina regenerativa e para a luta contra as doenças genéticas.
O som da esperança, ao que tudo indica, voltou a ecoar, e desta vez, também dentro dos ouvidos de quem nunca o tinha ouvido antes.
Referência da notícia
Vassili Valayannopoulos, Manohar Bance, Daniela S. Carvalho, John H., et al, "DB-OTO Gene Therapy for Inherited Deafness", 2025, The New England Journal of Medicine