Comportamentos aditivos em cães: uma análise do vício por brinquedos

O estudo analisa se os cães podem desenvolver comportamentos semelhantes ao vício humano em relação aos brinquedos, explorando causas, implicações comportamentais e efeitos no seu bem-estar geral. Fique aqui a saber mais!

Cão
A interação supervisionada com brinquedos permite avaliar níveis de motivação, autocontrolo e possíveis sinais de frustração quando o objeto é retirado.


Estudos recentes têm sugerido que alguns cães demonstram comportamentos persistentes e excessivos relativamente aos seus brinquedos, de forma análoga a padrões de adição observados em humanos.

Um estudo publicado em 2024, e divulgado pela National Geographic, explorou a possibilidade de que certas respostas comportamentais em cães possam constituir formas de “comportamento aditivo.

Este artigo analisa os principais resultados dessa investigação, discute as suas implicações comportamentais e éticas e propõe direções futuras de investigação e práticas de manuseamento que possam contribuir para o bem-estar animal.

O conceito de adição comportamental é amplamente estudado em humanos, envolvendo padrões de comportamento repetitivo e persistente, acompanhados de perda de controlo e de um impulso intenso para repetir a atividade, mesmo na ausência de benefícios imediatos.

Tradicionalmente, estes fenómenos têm sido associados a comportamentos como o jogo, o uso de redes sociais ou o exercício físico compulsivo.

Frustração, persistência e recompensa: sinais de fixação

No entanto, investigações recentes têm alargado esta perspetiva a outras espécies animais, nomeadamente os cães (Canis lupus familiaris), conhecidos pela sua elevada capacidade de aprendizagem e pela forte ligação emocional aos humanos e a objetos familiares.

O estudo em questão avaliou 105 cães, de várias raças e idades (entre 1 e 10 anos), submetidos a 14 testes comportamentais. O objetivo foi identificar comportamentos que pudessem indicar fixação ou dependência relativamente a brinquedos preferidos.

Brincadeira
As raças do tipo pastor apresentaram maior incidência de comportamentos de busca e frustração quando o brinquedo foi removido do ambiente.

Num dos testes, os cães podiam escolher entre tentar alcançar o seu brinquedo favorito, colocado fora do seu alcance, ou optar por uma recompensa mais acessível (por exemplo, comida ou atenção humana).

Os cães classificados como apresentando “comportamentos de adição” persistiam na tentativa de alcançar o brinquedo, ignorando as recompensas alternativas.

Outro teste consistia na remoção dos brinquedos do ambiente: cães com maior nível de fixação mostravam sinais de inquietação, como andar em círculos, vocalizar ou tentar alcançar o local onde o brinquedo tinha sido guardado. Estas reações foram interpretadas como possíveis indicadores de comportamento de busca ou frustração, semelhantes ao “craving” humano observado em contextos de dependência.

Os resultados indicaram que cães de raças do tipo pastor, como o Pastor Alemão e o Pastor Belga, tendiam a demonstrar níveis mais elevados de persistência e foco nos brinquedos. Os autores sugerem que tal possa estar relacionado com traços genéticos de elevada motivação e resistência, selecionados historicamente para funções de trabalho.

Embora os resultados revelem paralelismos interessantes com padrões de adição humana, os autores enfatizam que o termo “vício” deve ser utilizado com cautela. A ausência de autoconsciência e de avaliação de consequências nos cães impede uma equiparação direta ao conceito humano de dependência.

Assim, o termo mais adequado seria “comportamento aditivo-semelhante”. Do ponto de vista etológico, este fenómeno pode ser interpretado como uma forma extrema de motivação por reforço positivo. Cães com forte predisposição para o jogo ou para tarefas repetitivas podem desenvolver uma resposta de foco excessivo a um estímulo específico (o brinquedo), especialmente em contextos de baixa estimulação ambiental ou falta de variedade de atividades.

Tais comportamentos levantam preocupações quanto ao bem-estar animal, pois a frustração resultante da inacessibilidade do brinquedo pode gerar stress, ansiedade ou comportamentos destrutivos. Além disso, a fixação pode reduzir o interesse do cão por outras formas de interação social, alimentação ou descanso.

Implicações práticas e recomendações

Com base nos resultados e em princípios de bem-estar animal, recomendam-se as seguintes práticas preventivas:

Rotação de brinquedos – Alternar os brinquedos disponíveis, evitando exposição constante ao mesmo objeto, reduz a possibilidade de fixação excessiva.

Treino de autocontrolo – Exercícios de “larga” ou “deixa” promovem flexibilidade comportamental e ajudam o cão a compreender que a perda temporária de um brinquedo não é permanente.

Diversificação de estímulos – Introduzir atividades físicas, cognitivas e sociais distintas (passeios, jogos de busca, treino de obediência) diminui a monotonia e o risco de comportamentos repetitivos.

Supervisão e intervenção precoce

Donos e treinadores devem estar atentos a sinais de frustração ou obsessão e procurar apoio de especialistas em comportamento animal quando necessário. O estudo sobre “vício em brinquedos” em cães abre uma nova perspetiva sobre a complexidade emocional e motivacional destes animais.

Embora não se trate de uma adição no sentido humano do termo, os comportamentos observados demonstram que os cães podem desenvolver padrões de fixação e persistência que comprometem o seu equilíbrio comportamental.

A compreensão destes fenómenos é essencial não apenas para o avanço da ciência do comportamento animal, mas também para promover relações mais saudáveis e equilibradas entre cães e tutores, assegurando o bem-estar físico e psicológico dos animais de companhia.