Como pode a poesia ajudar a formar novos médicos oncológicos?

Cirurgião oncológico português e poeta premiado utiliza a poesia, aliada à medicina para ajudar os novos futuros médicos a sentirem mais empatia pelos seus doentes. Descubra mais aqui!

Medicina e a poesia
Médico português inova o currículo da medicina com a introdução à poesia, pois segundo eles "como cada poema, cada um dos doentes é único". Fonte: Naturopathic Doctor

Estudar poesia com um médico escritor é atualmente possível, numa das unidades curriculares do Mestrado Integrado em Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS).

Com a introdução da poesia, uma disciplina de índole artística, na educação médica, pretende dotar os futuros médicos de ferramentas que lhe permitam uma maior aproximação à educação criativa e humanista.

Assim, João Luís Barreto Guimarães, especialista em cancro da mama, poeta premiado e criador do curso, afirma numa entrevista ao jornal The Guardian que a poesia tem uma capacidade única de ajudar os estudantes a estabelecerem uma ligação holística com os seus futuros pacientes, em vez de os verem como um problema médico que precisa de ser resolvido.

A verdade é que muitas vezes, os médicos não têm tempo para parar e pensar, pelo que tudo se reduz rapidamente ao técnico e mecânico, assim este médico incita os alunos a ler poemas que falam de empatia, compaixão, solidariedade e outros valores humanistas semelhantes que os médicos devem procurar alcançar quando estão diante de um doente.

“O papel do médico na sociedade atual deve incorporar na sua formação profissional, para além das competências técnico-científicas, uma visão holística que inclua ferramentas educacionais e que valorizem igualmente componentes sociais e humanísticas."

Alberto Caldas Afonso, Diretor do Mestrado Integrado em Medicina.

João Luís Barreto Guimarães, com 56 anos de idade, é licenciado em Medicina pelo ICBAS e é cirurgião de cancro da mama há três décadas.

Mas quando não está na sala de operações a salvar vidas, está em casa, à secretária, a escrever os seus poemas. É autor de 10 coletâneas publicadas, foi em 2020 distinguido nos EUA com o Willow Run Poetry Book Award com o livro Mediterrânio, publicado em Portugal em 2016 e foi também galardoado em 2022 com o Prémio Pessoa, em reconhecimento do seu contributo para as artes.

O papel da poesia

Guimarães faz com que cada aula tenha pelo menos uma mão cheia de poemas relacionados com a medicina.

A lista de leitura do curso inclui uma série de poetas-médicos notáveis, tais como Júlio Dinis (um cirurgião português), William Carlos Williams (um pediatra americano), Gottfried Benn (um patologista alemão) e Miroslav Holub (um imunologista checo).

João Guimarães
Médico-cirurgião e poeta, João Luís Barreto Guimarães é atualmente médico no Centro Hospitalar Gaia/Espinho e professor no Instituto Abel Salazar no Porto. Fonte: Universidade do Porto

Os poemas sobre cenários médico-paciente ou ambientes familiares de cuidados de saúde, por exemplo, oferecem aos estudantes uma ponte fácil para os seus estudos quotidianos.

“O que tento transmitir aos alunos é que, tal como num poema, cada um dos seus doentes é único".

João Luís Barreto Guimarães

Na mesma linha, as aulas podem ajudar a abrir conversas sobre a montanha-russa emocional que é ser médico e ajudar os alunos a refletir sobre como lidar com o trabalho.

A título de exemplo, o poema "Talking to the Family" de John Stone retrata em poucos versos a dor, a confusão e o stress dos alunos quando são confrontados com a desagradável mas inevitável tarefa de dar más notícias.

“…I will tell them.
They will put it together
and take it apart.
Their voices will buzz.
The cut ends of their nerves
will curl.
I will take off the coat,
drive home,
and replace the lightbulb in the hall”

O ensino de Guimarães não se limita aos poetas mais consagrados. Defende que os alunos sejam expostos aos "males" do sentimentalismo excessivo, um hábito que não devem evitar quando chegam à enfermaria.

O curso também não evita a poesia de natureza mais abstrata ou complexa, que ele vê como um veículo inestimável para elucidar a capacidade do discurso de esconder e revelar.

Não são apenas os poetas que procuram disfarçar o seu significado por detrás de jogos de palavras inteligentes e dispositivos literários. Por razões de medo, desconfiança ou simplesmente embaraço, também os doentes o fazem.

Segundo Guimarães, os bons médicos sabem "ler nas entrelinhas" e nestas aulas fala-se muitas vezes de descodificação, pois o recurso à ilusão, ao simbolismo ou ao enigma é algo que muitos poetas fazem para transmitir a sua mensagem de forma oculta.

Para além de Portugal, também a Universidade de Pompeu Fabra de Barcelona, a Faculdade de Medicina da Universidade da Virgínia e a Faculdade de Medicina de Harvard introduziram recentemente um curso de literatura para os seus alunos, com o objetivos destes saberem como lidar perante doenças crónicas e agudas.