Antártida: surpreendente descoberta de gelo fossilizado com bolhas de ar de 6 milhões de anos
Investigadores descobriram um bloco de gelo de 6 milhões de anos na Antártida que preserva ar antigo e fornece pistas sobre como era a atmosfera num planeta muito mais quente. A descoberta oferece uma oportunidade única para reconstruir o clima da Terra num passado remoto.

Uma expedição científica descobriu uma massa de gelo com aproximadamente 6 milhões de anos na região de Allan Hills, na Antártida Oriental. Essa amostra encapsula ar aprisionado e permite-nos viajar no tempo até ao Mioceno Superior, quando o planeta era muito diferente de como é hoje, conforme relatado pelo site ScienceDaily.
O estudo, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, foi realizado por equipas do Center for Oldest Ice Exploration (COLDEX) e outras instituições americanas, e marca um novo recorde: até então, o gelo estudado tinha uma idade máxima de cerca de 800.000 anos.
Além de seu valor puramente histórico e geológico, a investigação permite-nos estimar mudanças drásticas de temperatura (uma diminuição de cerca de 12 °C na região desde então) e abre caminho para uma melhor compreensão da evolução dos gases com efeito de estufa e do nível do mar.
Uma janela para o Mioceno: o que o gelo nos revela
Dados isotópicos de núcleos de gelo mostram que a região de Allan Hills experimentou um arrefecimento cumulativo de aproximadamente 12 ± 2 °C entre seis milhões de anos atrás e o final do Pleistoceno. Esta descoberta é crucial porque, embora o arrefecimento global fosse conhecido, não havia evidências diretas de um período tão remoto em núcleos de gelo.
Acaban de encontrar en la Antártida hielo de 6 millones de años, con burbujas que conservan aire de la antigua atmósfera terrestre. Una cápsula del tiempo congelada que nos ayuda a entender cómo cambió el clima y cómo podría cambiar en el futuro ️ pic.twitter.com/GpGSMnkLt5
— Un geólogo en apuros ️ (@geologoenapuros) November 14, 2025
A datação foi obtida medindo o déficit de argónio-40 em bolhas de ar aprisionadas, uma técnica de alta precisão. O déficit de argónio-40 é uma pequena falta desse gás dentro das bolhas de ar aprisionadas no gelo antigo. Este déficit ocorre porque, ao longo de milhões de anos, parte do argónio escapa ou redistribui-se dentro do gelo, e a quantidade perdida permite aos cientistas calcular quantos milhões de anos se passaram.
Durante este período do Mioceno Superior, o planeta apresentava temperaturas mais elevadas e um nível do mar significativamente mais elevado do que hoje. As camadas de gelo de Allan Hills, portanto, funcionam como uma cápsula do tempo, permitindo-nos observar como era a atmosfera antes das últimas glaciações intensas. Este contexto é relevante porque períodos mais quentes nos ajudam a compreender cenários que podem repetir-se ou intensificar-se no futuro.
Implicações para a ciência e previsão do clima
A medição dos gases aprisionados nessas camadas de gelo abre uma nova dimensão para os modelos climáticos: compreender como o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e a temperatura variaram num passado muito mais remoto aprimora a capacidade de projetar mudanças futuras. Os investigadores observam que agora é possível calibrar com mais precisão como o sistema climático responde quando a Terra está mais quente do que está hoje.

Este registo antigo é de extrema importância para prever o nível do mar e o comportamento das calotas polares continentais. Se o nível do mar era mais alto há seis milhões de anos, isto sugere que os limites de estabilidade dessas calotas polares podem ser menores do que se pensava anteriormente. O mundo atual está a aproximar-se desses cenários.
Nesse sentido, a descoberta pode impulsionar o planeamento científico e político: saber o que aconteceu quando a Terra estava mais quente pode orientar decisões sobre mitigação, adaptação, conservação de glaciares e proteção costeira. Esta linha divisória entre o clima passado e o futuro merece a nossa máxima atenção.