Alterações climáticas podem estar a tornar as rajadas de vento mais fortes, sugere estudo

Novo estudo sugere que os eventos meteorológicos adversos de vento em linha reta estão a aumentar, impulsionados pelo aumento das temperaturas globais. Que medidas se exigem para o futuro? Conheça aqui os pormenores!

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O aquecimento do planeta está associado ao aumento da intensidade de eventos meterológicos adversos extremos.

Hoje é praticamente consensual, pelo conjunto de evidências recolhidas, que as condições meteorológicas cada vez mais extremas são produto das alterações climáticas. Evidências provenientes de satélites, aeronaves, medições terrestres e projeções de modelos climáticos estabelecem cada vez mais essa conexão.

Já em 2018 um estudo da NASA apoiava esta noção de que o aquecimento global está a causar um aumento do número de tempestades extremas, pelo menos, nos oceanos tropicais da Terra (entre 30º Norte e Sul da linha do equador).

Sabe-se hoje, também, que a precipitação intensa aumenta numa atmosfera que está em aquecimento, mas a ligação entre eventos de vento relativamente raros e as alterações climáticas ainda não é totalmente compreendida. As rajadas de vento de tempestade, por exemplo, são mais localizadas do que as chuvas de tempestades severas, e isso torna as rajadas mais difíceis de observar ou modelar.

Num estudo recentemente publicado na Nature Climate Change, foram examinadas tendências associadas a eventos de tempestades eólicas nos Estados Unidos da América (EUA) nos últimos 40 anos. As descobertas apontam para uma relação entre a intensificação das rajadas de vento com trovoadas e o aquecimento do clima.

O trabalho ateve-se à análise de "derechos", conhecidos por serem tempestades de vento em linha reta, extensas e de longa duração, associados a faixas de chuvadas ou trovoadas de movimento rápido, conhecidos como ecos de proa, linhas de squall, ou sistemas convectivos quase-lineares.

Ao contrário de um tornado, os "derechos" movem-se numa direção, em vez de girar e formam-se quando uma linha organizada ou grupo de tempestades produz um caminho persistente de ventos em linha reta perigosos e prejudiciais.

Estes ventos em linha reta ocorrem quando a chuva evapora em altitude, tornando o ar mais frio, e fazendo com que esse ar mais pesado e frio se projete para o solo. Ao aumentar a temperatura, o que está a ocorrer com o aquecimento global, o arrefecimento evaporativo durante uma tempestade também aumenta, afirma Andreas Prein, autor do estudo.

Por definição, este eventos devem cumprir o critério do Serviço Nacional de Meteorologia norteamericano para rajadas de vento fortes (superiores a 90 km/h) na maioria dos pontos ao longo do caminho da tempestade. Nos eventos de "derechos" mais fortes, os ventos podem exceder os 160 km/h.

O mais conhecido evento deu-se em 2020 e é até hoje, com 11 mil milhões de dólares contabilizados em danos, a tempestade mais cara da história moderna dos EUA. Cobriu uma área de cerca de 240.000 quilómetros quadrados e afetou quase 20 milhões de pessoas no seu percurso desde Dakota do Sul até Ohio. As rajadas de vento mais fortes chegaram aos 225 quilómetros por hora, com a maior destruição relatada no centro e leste de Iowa e em partes de Illinois.

Quarenta anos de análise de "derechos"

Prein combinou os dados obtidos dos modelos de alta resolução e cruzou-o com informações registadas em 95 estações meteorológicas no Centro-Oeste dos EUA. A descoberta do modelo correspondeu em grande parte às rajadas de vento de tempestade registadas, incluindo o "derecho" de 2020, correlacionando as observações com os resultados do modelo.

O estudo revelou um novo método de modelação computacional de alta resolução, reduzindo o espaçamento da grade dos modelos climáticos para apenas 4 quilómetros, o que lhe permitiu uma análise mais fina e detalhada. O modelo de Prein baseou-se em 109.387 pontos de dados e revelou como a área afetada por fortes ventos em linha reta aumentou 4,8% entre 1980 e 2022.

"Este estudo é um primeiro passo importante para a compreensão da ligação entre rajadas de vento e trovoadas e as alterações climáticas. As descobertas precisarão de ser confirmadas com outros modelos, idealmente, simulações com resolução espacial ainda maior ajudariam a estudar estes eventos de pequena escala com mais detalhes.”

Erich Fischer, cientista climático e professor universitário.

Este interessante estudo combina observações e um modelo de altíssima resolução para extrair um sinal claro da influência das alterações climáticas que até agora não era conhecido e explica os principais mecanismos físicos para essas mudanças.

As conclusões do estudo sublinham a importância de incorporar a intensificação destes eventos no planeamento da adaptação e mitigação às alterações climáticas, para garantir o desenvolvimento de infraestruturas futuras resilientes.

E o futuro? Como nos adaptamos e mitigamos efeitos?

Para os milhões de pessoas que vivem em áreas com probabilidades crescentes de ocorrência deste tipo de eventos, construir resiliência e compreender estas ameaças é fundamental para proteger vidas e propriedades, principalmente à medida que o mundo continua a aquecer.

Pensar e planear cidades, exige um conhecimento da sua realidade, do seu contexto e dos seus riscos. Porque os desastres ocorrem quando nos permitimos enquanto sociedade socorrer de um planeamento deficiente dos nossos espaços vivência comum, quando não consideramos a nossa interação com o meio ambiente ou quando desafiamos a nossa própria existência apostando em atos e omissões que potenciam as alterações climáticas.

Por isso, pensar em dotar as cidades de mecanismos que lhe permitam, por um lado adaptar-se a uma nova realidade que é, ainda, incerta e, por outro, mitigar potenciais danos de eventos futuros, permitir-lhes-á obter ganhos de resiliência. E esta verdade é tão e mais válida para as infraestruturas críticas, como hospitais, redes elétricas e de abastecimento de água e também redes de transportes públicos.

Referência da notícia: Prein, A. Thunderstorm straight line winds intensify with climate change. Nature Climate Change. 2023.