Acelerador de partículas transforma chumbo em ouro, mas apenas por uma fração de segundo
Feixes de chumbo em colisão originam iões de ouro de movimento rápido e curta duração. Compreender o processo pode ajudar a refinar experiências com aceleradores de partículas.

Transformar chumbo em ouro foi o grande sonho dos alquimistas, que nunca se concretizou. Muitas foram as tentativas, desde o século XVII, para encontrar a pedra filosofal, com experiências a envolver os quatro elementos da natureza, terra, ar, água, fogo e diversos metais.
Mais de 300 anos depois da era da alquimia, os investigadores do Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), localizado próximo de Genebra, na Suíça, anunciaram que o Grande Colisor de Hadrões (LHC) transformou finalmente o chumbo em ouro. A experiência, todavia, não durou mais do que uma fração de segundo e, de acordo com os cientistas, implica um custo demasiado elevado.
A energia criada com feixes de chumbo
No estudo publicado na revista Physical Review C., a equipa de investigadores que participou na experiência ALICE (de A Large Ion Collider Experiment, em inglês) explicou que conseguiu realizar a proeza direcionando feixes de chumbo uns contra os outros, a uma velocidade próxima da luz.

Os iões, nestas condições, em vez de colidirem frontalmente, passaram de raspão uns pelos outros. Um intenso campo de luz em redor dos iões criou, então, um impulso de energia na forma de protões, que levou um núcleo do chumbo a ejetar três protões, transformando-o num núcleo de ouro.
A partir daqui os investigadores analisaram dos dados das colisões no LHC entre 2015 e 2018, concluindo que, nesse período, terão sido criados 86 mil milhões de núcleos de ouro.
A experiência ALICE, que envolve quase dois mil físicos de 174 institutos de 40 países, foi a primeira a usar um detetor capaz de identificar este processo.
Um processo financeiramente inviável
Os investigadores do CERN não estão propriamente interessados na produção de ouro, nem sequer como uma ocupação secundária. Seria, aliás, uma atividade ruinosa, advertiram os físicos.
A experiência serviu apenas para entender melhor como os fotões podem alterar os núcleos, podendo estes estudos vir a ser úteis para ajudar a melhorar o desempenho do Grande Colisor de Hadrões.
Ainda assim, é caso para concluir que o grande sonho dos alquimistas não era, afinal um puro delírio. Esta antiga busca, conhecida como crisopeia, pode ter sido motivada pela observação de que o chumbo, cinzento baço e relativamente abundante, tem uma densidade semelhante à do ouro, há muito cobiçado pela sua beleza e raridade.

A descoberta de que o chumbo e o ouro são elementos químicos distintos e que os métodos químicos são incapazes de os transmutar ocorreu muito tempo depois do período da alquimia.
Com o aparecimento da física nuclear no século XX, descobriu-se que os elementos pesados podiam ser transformados noutros elementos, através de processos naturais, em laboratório ou recorrendo a bombardeamento de neutrões ou protões.
O legado da alquimia para a física moderna
O objetivo de converter o chumbo em ouro, esse, nunca foi alcançado. A alquimia, que mesclava conhecimentos de várias áreas, como química, medicina e filosofia, nunca teve estatuto de ciência. Esteve sempre ligada ao misticismo e ao oculto, carecendo de métodos e efeitos comprovados.

Mas o esforço dos alquimistas não foi totalmente em vão. Foram pioneiros na descoberta e no estudo de várias substâncias, como ácidos e sais, fundamentais na química atual. E deixaram ainda para a posteridade várias técnicas de laboratório usadas até hoje, como a destilação, a calcinação, o banho-maria ou a sublimação.