A mariposa da Austrália é o primeiro invertebrado conhecido a usar as estrelas como bússola
Quatro milhões de borboletas-noturnas percorrem milhares de quilómetros para atravessar o continente australiano. Descubra aqui como estas criaturas são capazes de uma proeza que se pensava ser exclusiva de alguns animais e aves migratórias.

A mariposa-de-bogong (Agrotis infusa) é uma espécie de traça nativa da Austrália, que, na primavera austral, costuma ser vista em abundância nos edifícios públicos de Sydney e Camberra.
Nas grutas alpinas frescas, as traças adultas entram em estivação, um período de dormência até quatro meses que lhes permite enfrentar o calor e a escassez de água e de alimentos. Chegado o outono, e já completamente despertas, seguem na direção oposta, de regresso ao local de origem, onde acasalam, põem ovos e completam o seu ciclo de vida.
O longo voo noturno
Cada viagem implica percorrer uma distância superior a mil quilómetros. É um longo caminho de ida e volta que as mariposas-de-bogong fazem uma única vez na vida, sempre no escuro, sem se desviarem da rota e em direção a um destino onde nunca estiveram.
Os investigadores já sabiam que as mariposas são sensíveis ao campo magnético da Terra, tal como muitos outros animais. Mas é preciso haver algo mais para conseguirem orientar-se na escuridão total, ao longo de vários meses.

O mistério está agora desvendado, mas primeiro foi preciso reunir uma equipa internacional de 14 cientistas liderados pela Universidade de Lund, na Suécia. A investigação implicou longas horas de observação e a construção de um miniplanetário, que permitiu decifrar o que vai na cabeça deste inseto durante a sua longa travessia.
Antes disso, a equipa partiu para as Montanhas Nevadas, a cordilheira mais alta da Austrália, para capturar mariposas durante a sua migração. Colocaram-nas, depois, num simulador de voo, semelhante à cúpula de um planetário.
Usando um sistema de bobinas, os investigadores criaram um ambiente sem sinais magnéticos para não interferir na navegação das mariposas. O aparelho permitiu à traça bater as asas e girar livremente, enquanto um sensor registou a direção do seu voo.
Borboletas no planetário
Sob um céu noturno artificial, idêntico ao que veriam durante a migração, as mariposas nunca se enganaram no caminho: dirigiram-se para o Sul na primavera e para o Norte no outono.
Os investigadores giraram depois a projeção do céu estrelado em 180 graus e também elas inverteram a direção do voo em quase 180 graus.

Para assegurar que não estavam simplesmente a reagir à luz, a equipa projetou uma imagem com o mesmo número de estrelas e brilho, mas distribuída aleatoriamente e sem padrões reconhecíveis.
Os ensaios demonstraram, inequivocamente, que as mariposas não só são capazes de distinguir as estrelas, como usam-nas como um instrumento de navegação para seguir um percurso específico durante mais de mil quilómetros.
Eric Warrant, coordenador do estudo
Ao medir os estímulos neuronais em diferentes zonas do seu minúsculo cérebro, a equipa conseguiu também localizar os circuitos onde está armazenada a informação sobre as estrelas do Hemisfério Sul, herdadas dos progenitores.
Caso inédito entre os invertebrados
Esta descoberta, publicada na revista Nature, faz da mariposa-de-bogong o primeiro invertebrado conhecido a usar uma bússola estelar para navegação de longa distância, uma habilidade considerada exclusiva de aves migratórias e de alguns mamíferos como a foca.
Os resultados da investigação podem vir agora ser úteis para desenvolver, por exemplo, drones com navegação autónoma, mas esse não foi o intuito da investigação. Acima de tudo, sublinham os investigadores, o estudo procurou ser um contributo para melhor orientar as estratégias de conservação de espécies ameaçadas. “Mais importante de tudo é reconhecer a magnificência da natureza e a urgência de preservar a biodiversidade”, lê-se no comunicado da Universidade de Lund.

A mariposa-de-bogong é uma espécie ameaçada na Austrália, devido à seca cada vez mais frequente. “É da maior importância protegermos este navegador maravilhoso, providenciando céus escuros e rotas seguras de migração”, defendeu Eric Warrant, citado na nota de imprensa.
Referência da notícia
David Dreyer, Andrea Adden, Hui Chen, Barrie Frost, Henrik Mouritsen, Jingjing Xu, Ken Green, Mary Whitehouse, Javaan Chahl, Jesse Wallace, Gao Hu, James Foster, Stanley Heinze & Eric Warrant. Bogong moths use a stellar compass for long-distance navigation at night. Nature.