Douro ameaçado pelos stocks de vinho. Empresas de vinho do Porto querem colheita em verde e nova destilação de crise

Mais de 300 viticultores do Douro receberam cartas a cancelar a compra das uvas na próxima vindima. Empresas de Vinho do Porto exigem destilação de crise para “libertar o armazenamento" e "acomodar a vindima de 2025”.

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A Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP) acaba de solicitar ao Ministério da Agricultura, com carácter de urgência, a abertura dos regimes da Colheita em Verde e da Destilação de Crise.

A Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP) acaba de solicitar ao Ministério da Agricultura, com carácter de urgência, a abertura de dois regimes previstos na última reprogramação do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC).

Um dos regimes é a Colheita em Verde, que, a ser autorizada, “possibilita a remuneração dos viticultores que não tenham perspetivas de comercialização da sua colheita”.

Outra é a medida da Destilação de Crise, com obrigatoriedade de compra de vinho para reposição. Isto cumprirá, por um lado, “a libertação de armazenamento para acomodar a vindima de 2025” e ainda “contribuirá para a reposição de vinhos aumentando as compras a efetuar”.

Num comunicado de imprensa divulgado na tarde desta quarta-feira, 30 de abril, a AEVP, liderada por António Marquez Filipe, diz que, desde 2000, as vendas já perderam “um terço do mercado”, tendência que se agravou em 2024, “perdendo mais 2,6%”. Isto, num momento em que, diz a AEVP, “o ciclo de vendas de vinho do Porto é negativo há mais de 20 anos.

As empresas do setor estão a preparar a próxima vindima na Região Demarcada do Douro, sabendo, porém, que “o nível de stocks em toda a fileira nunca foi tão alto”. E que, por outro lado, as previsões de compra para a próxima vindima, com base nas extrapolações das intenções do comércio para todo o setor é de, apenas, “cerca de 39,6 milhões de litros (72 000 pipas) de mosto para vinho do Porto e cerca de 55 milhões litros (100 000 pipas) de vinho do Douro”.

Região Demarcada do Douro
Em 2024, já tinha havido uma redução de 14 mil pipas, face a 2023, na quantidade total autorizada de mosto para transformar em vinho do Porto. A Associação das Empresas de Vinho do Porto aventa a hipótese de uma redução para 72 mil pipas em 2025.

Em 2024, já tinha havido uma redução de 14 mil pipas, face a 2023, na quantidade total autorizada de mosto para transformar em vinho do Porto.

Corte na produção de vinho do Porto

O Conselho Interprofissional do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP) fixou um total de 90 mil pipas no ano passado.

Este ano, a AEVP, que tem assento no Conselho Interprofissional do IVDP a representar o comércio - reúne 33 empresas comerciais que representam, em volume, 63% da comercialização total e 80% do vinho do Porto -, adianta-se e já fala em apenas 72 mil pipas de vinho do Porto.

A confirmar-se a fixação do benefício em 2025 nas 72 mil pipas de vinho do Porto, isso significará um corte drástico na produção de vinho do Porto na Região Demarcada do Douro, com consequências para os viticultores que produzem e vendem as uvas e que delas recebem o correspondente benefício.

A produção média das últimas cinco vindimas foi de “135,3 milhões de litros (246 000 pipas)” e a AEVP diz que a próxima colheita ficará, “previsivelmente, acima daquele valor”.

Não houve acordo com o IVDP

“Tendo em conta que não houve acordo nas medidas estruturais a serem tomadas e o Conselho Interprofissional do IVDP não aceitou as medidas conjunturais disponíveis”, que a AEVP considerava “prementes” de modo a minimizar os efeitos negativos sobre os viticultores, e considerando ainda “a necessidade de conferir condições de sustentabilidade económica aos viticultores e aos agentes económicos da fileira”, a Associação não viu alternativa.

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A confirmar-se a fixação do benefício em 2025 nas 72 mil pipas de vinho do Porto, isso significará um corte drástico na produção de vinho do Porto na Região Demarcada do Douro, com consequências para os viticultores que recebem o benefício.

Esta estrutura, liderada por António Marquez Filipe, decidiu solicitar ao Ministério da Agricultura, tutelado por José Manuel Fernandes, “com carácter de urgência”, a abertura dos regimes da Colheita em Verde e da Destilação de Crise.

Produtores: o elo mais fraco

Na última semana, uma delegação da CNA - Confederação Nacional da Agricultura e da AVADOURIENSE – Associação dos Viticultores e da Agricultura Familiar Douriense tinha estado em contacto com viticultores na Feira da Régua e ouvido dos produtores “uma enorme preocupação”, em relação à situação da viticultura no Douro.

Mais de 300 viticultores do Douro terão já recebido uma notificação de empresas de vinhos a cancelar a compra de uvas. As missivas foram recebidas nas última semanas, levando até a ameaças de boicote das eleições legislativas nos concelhos da região do Douro.

Para a CNA, o expectável que esta “profunda crise se agrave este ano”. Para mais, “depois de um ano em que muitas uvas ficaram por vindimar por não haver a quem as vender”.

A Confederação está muito receosa. “Adensam-se as preocupações dos agricultores quanto à sua capacidade de resistir a mais um ano de dificuldades, com falta de escoamento e baixos preços pagos pelas uvas (preços que se mantém nos mesmos valores de há 25 anos e até inferiores), aumentos brutais dos custos de produção e, sobretudo, um forte desequilíbrio do poder entre a produção, a transformação e o grande comércio exportador, sendo os pequenos produtores o elo mais fraco”.

Num cenário em que a aplicação de tarifas sobre as exportações de vinho, nomeadamente para os EUA, pode significar “impactos negativos adicionais”, a CNA considera que “é ainda mais imperioso pôr fim às importações desnecessárias de vinhos e mostos”. E dizem que isso “não se resolve apenas com anúncios, mas com medidas concretas”.

No que respeita às "necessárias medidas" para salvar os pequenos e médios produtores da Região Demarcada do Douro, a CNA denuncia “a clara insuficiência de medidas do Ministério da Agricultura”.

Sendo o tema do vinho “um dos primeiros a ser abordado pela tutela no início da legislatura”, a CNA não vê medidas no terreno. “Até hoje, o Ministério da Agricultura não adotou uma única medida para acudir, diretamente, à situação desesperada dos pequenos viticultores durienses que os pudesse compensar pelas enormes perdas de rendimento”.