Cientistas dizem que eventos meteorológicos compostos, calor e inundações, não são facilmente reproduzidos nos modelos

As alterações climáticas estão a aumentar a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos, incluindo os eventos compostos.

Inundações
Considera-se um evento composto quando dois ou mais fenómenos extremos, ocorrem simultaneamente ou em rápida sucessão, como por exemplo calor extremo e inundações.

Um novo estudo, publicado na Nature, aborda a necessidade de serem melhorados os modelos e projeções climáticas para compreender melhor a frequência e a intensidade dos eventos compostos.

Eventos compostos – dupla ameaça

Os eventos compostos são fenómenos severos que ocorrem em rápida sucessão ou simultaneamente e que amplificam os impactos na saúde humana, infraestruturas, ecossistemas e meios de subsistência, muitas vezes ultrapassando os danos causados por cada evento individualmente.

Eventos recentes na Argentina (calor extremo seguido de inundações), nos Estados Unidos (ondas de calor e incêndios florestais seguidos de inundações) e em setembro de 2023 na Europa (inundações e calor extremo) destacam a crescente ameaça desses eventos compostos.

Estes eventos compostos, em que múltiplos riscos ocorrem em curto espaço de tempo, estão a tornar-se mais frequentes e intensos, devido às alterações climáticas.

Daí a importância de existirem estudos a abordar cada vez mais os eventos compostos e a sua representação em modelos climáticos acoplados.

Um modelo acoplado refere-se à interação entre diferentes componentes de um sistema complexo, como atmosfera e oceano, para simular o clima.

Ainda não está clara a capacidade dos modelos climáticos reproduzirem eventos compostos

Este estudo da Nature foca-se num evento composto que afetou a Europa, em setembro de 2023, com uma intensa onda de calor no norte da França e inundações extremas quase simultâneas na Península Ibérica e na Grécia. Este evento composto, segundo o estudo, foi o mais extremo das últimas décadas.

Calor extremo
Em setembro de 2023 registaram-se temperaturas superiores a 40oC em algumas regiões de França

A situação sinóptica a larga escala que deu origem a este evento composto foi um sistema de baixa-alta-baixa pressão conhecido como padrão Omega.

No entanto, a capacidade dos modelos climáticos de reproduzir tais extremos complexos e circulações atmosféricas relacionadas ainda não está clara.

Neste estudo, é introduzida e avaliada uma métrica baseada em classificação, com o objetivo de identificar extremos espaciais compostos por inundações-calor-inundações combinados com sistemas de pressão baixa-alta-baixa (padrão Omega), que atribui uma intensidade ao evento.

Os autores do estudo mostram que o evento extremo de setembro de 2023 foi o evento de inundação-calor-inundação mais intenso nas regiões específicas do modelo ERA5, desde 1979.

O modelo ERA5 é a 5ª geração da reanálise atmosférica do ECMWF, que é o modelo do Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo, do clima global, cobrindo o período de janeiro de 1940 até ao presente.

O evento de 2023 não foi único, pois houve pelo menos quatro outros extremos espacialmente compostos no ERA5 que estavam associados a um padrão Omega semelhante, mas um pouco menos intenso.

No estudo, a aplicação da métrica às simulações de um grande conjunto de condições iniciais do modelo CESM2 (Community Earth System Model 2) demonstra que o modelo é capaz de gerar análogos espaciais notavelmente bons de tais eventos de inundação-calor-inundação com um padrão Omega como no evento de 2023.

Computadores
Os modelos de previsão do tempo e os de previsão do clima são fundamentais para a projeção do tempo a curto prazo e a um prazo mais alargado

O modelo CESM2 é uma simulação numérica totalmente acoplada do sistema terrestre, composta por componentes atmosféricos, oceânicos, glaciares, terrestres, do ciclo do carbono e outros. O CESM inclui um modelo climático que fornece simulações de última geração do passado, presente e futuro da Terra.

O estudo concluiu que o modelo CESM2 pode reproduzir a intensidade observada, mas, no entanto, tais eventos espacialmente compostos tendem a ser muito raros no modelo climático.

Embora as probabilidades de eventos extremos individuais de calor e precipitação nas regiões selecionadas sejam aproximadamente iguais entre o grande conjunto CESM2 e o ERA5, o que é consistente com estudos anteriores, os extremos compostos não ocorrem com frequência suficiente no modelo climático.

Esta deficiência relaciona-se com combinação do extremo de calor e eventos extremos de precipitação

O estudo mostra que essa deficiência está relacionada com a combinação do extremo de calor e de qualquer um dos dois eventos extremos de precipitação, que tem uma probabilidade menor no CESM2 do que no ERA5.

Os autores alertam para o facto de melhorar a nossa compreensão científica da representação de tais eventos compostos impactantes em modelos climáticos é desafiante, mas crucial para melhorar a preparação para tais riscos simultâneos e ajuda a aumentar a resiliência a extremos compostos potencialmente mais frequentes e intensos num clima em aquecimento.

Embora as análises feitas no estudo terem-se limitado ao CESM2, os resultados levantam a questão se os modelos climáticos têm dificuldades gerais em simular extremos tão complexos e espacialmente compostos. Esta é uma questão que também afetaria avaliações futuras num clima mais quente.

A gestão desses eventos compostos requer abordagens integradas que tratem simultaneamente os riscos de, por exemplo, calor e inundações, em vez de tratá-los como questões separadas.

Referência da notícia

“European compound flood-heat-flood events associated with Omega patterns cannot be easily reproduced by a fully coupled model”, Yixuan Guo et al., Nature, Communications Earth & Environment volume 6, Published: 21 June 2025.