Alerta de devastação na Amazónia: saiba o que esperar do iminente fenómeno El Niño

Ainda em neutralidade climática, as águas do Oceano Pacífico continuam em aquecimento anómalo à espera do fenómeno El Niño que pode ser devastador para a Amazónia.

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Entenda como o fenómeno El Niño pode ser devastador para a Amazónia.

Muito já se falou sobre o fim do La Niña depois de três anos de duração, muito se tem falado também sobre a neutralidade climática imposta pela NOAA com viés positivo em relação ao aquecimento anómalo das águas do Oceano Pacífico à espera do domínio do fenómeno El Niño, que pode mudar completamente o cenário de chuva e temperatura em redor de todo o globo.

Em termos de padrão, já foi comentada a possibilidade de o verão e de o outono serem mais quentes, mas mais chuvosos do que o normal em Portugal continental, em particular, e na Península Ibérica, em geral. Do outro lado do Atlântico, no Brasil, aquilo que preocupa na atualidade é como o El Niño pode gerar uma devastação da Amazónia, perceba porquê.

A NOAA continua a atualizar as projeções de imposição do fenómeno El Niño para o segundo semestre de 2023 e na passada quinta-feira (11), o órgão americano indicava que existe 90% de probabilidade do fenómeno ocorrer de forma intensa no próximo semestre.

Isto de certa forma acendeu outro alerta aos investigadores que relatam o efeito negativo na Amazónia que pode ser devastada ao enfrentar uma possível temporada intensa de queimadas frente ao cenário de desmatamento dos últimos meses e os efeitos de seca severa que o El Niño pode provocar.

Super El Niño vem aí

A anomalia de temperatura da água do Oceano Pacífico mostra há algumas semanas um aquecimento bastante atípico, na porção de Niño 1+2 no Pacífico Leste, a temperatura chegou a 2,7 °C e gerou uma expetativa de um possível super El Niño, o que pode resultar em efeitos mais intensos e mais duradouros, como por exemplo uma estiagem no Norte do Brasil, deixando a Amazónia sob stress hídrico e mais apta à ocorrência de queimadas.

Além da NOAA e do IRI fazerem os acompanhamentos sobre a chegada do El Niño e os seus efeitos, na última semana, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) indicou uma probabilidade de 80% de imposição do El Niño entre maio e julho, o que subia para 90% entre junho e agosto de sair do estado neutro para o El Niño entre julho e setembro.

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Probabilidade de El Niño para o segundo semestre de 2023. Fonte: IRI

Segundo o secretário geral da OMM, o Professor Petteri Taalas: “Acabámos de ter os oito anos mais quentes jamais registados, embora tenhamos tido um arrefecimento do La Niña nos últimos três anos e isto funcionou como um travão temporário no aumento da temperatura global. O desenvolvimento de um El Niño provavelmente levará a um novo pico no aquecimento global e aumentará a probabilidade de quebrar recordes de temperatura”.

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Além do Pacífico Leste já muito aquecido, projeção da NOAA mostra a tendência de forte aquecimento do Pacífico Central. Fonte: NOAA

Aliás, já falamos sobre essa possibilidade de recordes de temperatura, de um possível super El Niño e até de quebrar o limite de aquecimento global dos próximos anos, o que pode ser relembrado no artigo: Um super El Niño até ao final de 2023 é cada vez mais provável. Leia e compreenda mais sobre os efeitos esperados pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico.

A devastação na Amazónia

Além de todos os efeitos possíveis que já foram levantados em relação ao fenómeno El Niño, sejam eles positivos ou negativos, um é bastante preocupante e é esperado no Brasil. Com as temperaturas elevadas e a transição efetiva da neutralidade climática para o El Niño, há indícios de uma devastação na Amazónia como consequência da redução expressiva da chuva e o aumento dos incêndios, o que pode devastar a floresta tropical.

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A Amazónia tem vindo a ser devastada pela desflorestação e pode enfrentar um cenário ainda pior com o regresso do El Niño no próximo semestre de 2023.

Antes de falarmos das queimadas, primeiro é preciso destacar a desflorestação na Amazónia, algo que infelizmente não pára de crescer, apesar das duras leis ambientais brasileiras, mesmo com a transição de governos. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), desde o mês de agosto de 2022 até abril de 2023, sendo considerado o calendário da desflorestação, foram derrubados cerca de 6 mil quilómetros quadrados de floresta amazónica, além dos 15 mil quilómetros quadrados de área degradada.

Certo, mas como de facto esta degradação, desflorestação e queimadas estão relacionadas com o domínio do fenómeno El Niño? Pode não parecer, mas existe uma relação e influência direta uma vez que em anos de El Niño, o clima na Amazónia se torna mais quente e mais seco do que já está com tamanha influência das alterações climáticas. Em resumo, não só na Amazónia, mas em todo o globo, os efeitos do El Niño tornam-se mais expressivos porque agem por cima de biomas que já estão modificados pelos efeitos do aquecimento global.

Segundo a investigadora das Universidades de Oxford e Lancaster no Reino Unido, Erika Berenguer, que estuda degradação florestal, fogo e desflorestação, o próximo El Niño terá um efeito mais alarmante na Amazónia comparado aos últimos fenómenos porque vai instalar-se novamente num ano que já está a bater recordes de desflorestação, e inclusive, a área derrubada é muito maior do que a área já queimada, ou seja, quando de facto chegar o clima mais quente e mais seco com o El Niño, a fonte de ignição destas queimadas será muito maior devido à grande quantidade de matéria orgânica no solo que torna a floresta inflamável.

Uma Amazónia mais quente e mais seca

Ainda segundo Berenguer foi relatado que devido às alterações climáticas e ao aquecimento global, a temperatura da Amazónia está 1,5 °C acima do normal, ou seja, está mais quente e também com períodos de seca maiores quando comparados à década de 1970.

Muitos devem estar a questionar-se sobre o clima quente e muito húmido comum na Amazónia, e isso de facto existe, o que dificultaria as queimadas na floresta. Em anos de La Niña, em que a chuva é constante e abundante no Norte do país, o fogo quando atinge o solo da floresta Amazónica acaba por morrer, não se alastra, contudo, em anos de El Niño acontece o contrário, com as folhas e ramos mais secos, o fogo alastra-se rapidamente e torna-se muito difícil de ser combatido.

No El Niño entre 2015 e 2016, cerca de 2,5 biliões de árvores e cipós morreram devido à seca e incêndios na floresta Amazónica.

Segundo um novo estudo publicado em abril na revista Nature, investigadores explicam que as árvores no sul da floresta amazónica correm um maior risco de morrer devido às alterações climáticas que afetam o regime de chuva da região. Os investigadores dizem que cerca de metade das árvores que são atingidas pelo fogo acabam por morrer, e este cenário pode ser agravado com um possível super El Niño no segundo semestre de 2023.