A crise de água sem precedentes no Irão: poderá a sementeira de nuvens ser uma aposta contra o colapso hídrico?

Sementeira de nuvens, a medida desesperada do Irão para evitar a evacuação de Teerão perante a seca histórica. Saiba mais aqui!

O Irão é o lar de uma das civilizações contínuas mais antigas do mundo. Foi o centro do Império Aqueménida (ou Primeiro Império Persa), fundado por Ciro, o Grande, no século VI a.C.

O Irão está a enfrentar uma crise de seca de intensidade alarmante, que levou o presidente do país a considerar a possibilidade de evacuação da capital, Teerão, uma metrópole com cerca de 14 milhões de habitantes, caso as chuvas não aumentem significativamente até dezembro. Os números refletem a gravidade da situação: a precipitação em todo o país está 85% abaixo da média, e Teerão recebeu apenas 1 milímetro de chuva este ano.

As reservas hídricas encontram-se num "estado preocupante".

As autoridades indicam que a capacidade de água em 32 barragens é inferior a 5%, e imagens de satélite confirmam que algumas secaram completamente. Embora os residentes de Teerão tenham reduzido o consumo de água em cerca de 10%, os especialistas consideram que este esforço não é suficiente para mitigar o problema. Como medida de emergência, as autoridades reduziram a pressão da água durante a noite e planeiam aplicar multas a famílias e empresas com consumo excessivo, sublinhando a urgência da crise hídrica.

Causas: mudanças climáticas e má gestão

A crise de seca no Irão, que se arrasta há cinco anos, é atribuída a uma combinação de fatores climáticos e má gestão de recursos. Por um lado, a crise climática global contribuiu para o cenário.

O Irão está a viver o seu outono mais seco em 50 anos, e Teerão, que tradicionalmente recebe neve em novembro, tem registado temperaturas de 15 °C ou mais.

No entanto, especialistas como Kaveh Madani, antigo funcionário do Departamento do Ambiente do Irão, defendem que a principal causa do que ele chama a "bancarrota hídrica" do país é a má gestão dos recursos.

Embora seja frequentemente associado a paisagens áridas, o Irão é um país de contrastes geográficos impressionantes.

O governo permitiu uma expansão maciça da agricultura em áreas áridas, sobrecarregando os recursos hídricos já limitados. Além disso, a proliferação de meio milhão de poços ilegais, escavados por agricultores desesperados, esgotou drasticamente as reservas de água subterrânea. A combinação da escassez induzida pelo clima com políticas internas insustentáveis criou a situação crítica atual.

A sementeira de nuvens: a intervenção tecnológica

Numa tentativa de forçar a precipitação, o Irão iniciou uma operação de sementeira de nuvens a 15 de novembro, com planos para a manter durante a época tradicionalmente chuvosa, até maio.

Apesar de utilizar a tecnologia moderna de sementeira de nuvens para combater a crise hídrica, o Irão também recorre à fé e à tradição, realizando orações nacionais pela chuva, destacando um dilema cultural na busca por soluções.

A sementeira de nuvens (cloud seeding) é uma tecnologia de modificação do clima desenvolvida na década de 1940.

O processo consiste em dispersar partículas na atmosfera que atuam como núcleos de condensação ou congelação, incentivando as gotículas de água suspensas nas nuvens a precipitar na forma de chuva ou neve.

Embora alguns projetos usem sal em nuvens mais baixas, a abordagem mais comum, e a utilizada em nuvens mais altas de fase mista, é a dispersão de produtos químicos, tipicamente iodeto de prata. Este composto cristalino facilita a congelação das gotículas de água super-arrefecidas, formando cristais de gelo que se tornam pesados e caem. O Irão está a realizar esta dispersão de agentes de sementeira através de uma combinação de aviões de carga e drones.

Limitações e perspetivas de sucesso

Apesar da implementação do programa, os especialistas alertam que a técnica de sementeira de nuvens é desafiadora e, por si só, é improvável que resolva a grande crise hídrica do Irão.

No entanto, alguns estudos demonstraram um potencial limitado. Uma experiência realizada em 2014, comparando duas cadeias montanhosas em Wyoming (EUA), indicou que a sementeira de nuvens poderia reforçar a precipitação entre 5 a 15 por cento.

A ironia da situação é que o Irão, que no passado chegou a acusar nações como Israel e os Emirados Árabes Unidos de "roubarem" a sua chuva através da sementeira de nuvens, está agora a recorrer à mesma tecnologia.

A comunidade científica é clara: embora o cloud seeding possa oferecer um pequeno alívio localizado, não é um substituto para uma gestão hídrica responsável a longo prazo, nem uma solução mágica para reverter os efeitos de uma seca de cinco anos agravada pelas alterações climáticas. A crise do Irão exige medidas estruturais e políticas de conservação para além da mera modificação do clima.

Referência da notícia

https://archive.ph/9W2O3 - NewScientist