Seca na Síria, Iraque e Irão não ocorreria num mundo 1,2 °C mais frio sem as alterações climáticas induzidas pelo Homem

Desde o inverno boreal de 2020, uma vasta região da Ásia Ocidental e o Irão registaram chuva excecionalmente fraca e temperaturas elevadas. A seca de três anos resultou em graves repercussões na agricultura e no acesso à água potável. Mais detalhes aqui!

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Segundo os cientistas, a intensidade da seca nestas regiões foi aumentada de tal forma por causa das alterações climáticas induzidas pelo Homem que, num mundo 1,2 ºC mais frio, não seria classificada como seca. Isto leva a pensar que a seca foi efetivamente causada pelas alterações climáticas induzidas pelo Homem.

Nesta região árida, uma grande parte da população depende da agricultura de sequeiro, em especial da cultura do trigo e da criação de gado.

Embora exista uma variabilidade comparativamente grande na precipitação de ano para ano, esta seca foi a segunda pior de que há registo, impulsionada pelo aumento das temperaturas.

Ocorreu numa altura em que outros fatores socioeconómicos, incluindo a guerra em curso na Ucrânia, com o seu impacto nos preços da energia e dos alimentos, bem como conflitos e agitação política, agravaram as consequências da seca.

Como os cientistas avaliaram a seca de três anos no Iraque, Síria e Irão? Caracterizando a seca agrícola

Para avaliar se, e em que medida a seca de três anos se fez sentir em duas regiões, sendo a primeira o crescente fértil em torno dos rios Eufrates e Tigre, que abrange grandes partes do Iraque e da Síria e a segunda o Irão, cientistas do Irão, dos Países Baixos, do Reino Unido e dos Estados Unidos utilizaram métodos publicados e revistos por pares no estudo "Human-induced climate change compounded by socio-economic water stressors increased severity of drought in Syria, Iraq and Iran".

Há várias formas de caracterizar uma seca: a seca meteorológica considera apenas a precipitação reduzida, enquanto a seca agrícola combina as estimativas de precipitação com a evaporação.

A principal variável utilizada para caracterizar a seca é o Índice de Evapotranspiração de Precipitação Normalizada (SPEI), que calcula a diferença entre a precipitação e a evapotranspiração potencial para estimar a água disponível.

Como o aumento da evapotranspiração devido ao aquecimento regional pode desempenhar um papel importante no agravamento dos impactos da seca, os cientistas optaram pela caracterização da seca agrícola neste estudo. Quanto mais negativos forem os valores, mais grave é a classificação da seca.

Eis as principais conclusões sobre a seca nestes três países

  • A guerra e a transição pós-guerra, a rápida urbanização face a uma capacidade técnica limitada e a instabilidade regional aumentam a vulnerabilidade das populações destes países e regiões e agravam os impactos da seca, originando uma crise humanitária.
  • Durante os 36 meses que decorreram até junho de 2023 toda a bacia do Eufrates e do Tigre (bacia ET) e grande parte do Irão sofreram uma seca agrícola extrema e excecional. Foi a segunda pior seca registada em ambas as regiões com base no SPEI. A natureza extrema da seca não é rara no clima atual (que sofreu um aquecimento de 1,2°C devido à queima de combustíveis fósseis). Eventos de gravidade comparável pelo menos todas as décadas estão previstos.
  • Foi verificada uma forte tendência para secas mais graves em ambas as regiões. A combinação de baixa precipitação e elevada evapotranspiração, tão invulgar como as condições recentes - ou seja, um acontecimento que ocorresse a cada 5-10 anos - num mundo que não tivesse sofrido um aquecimento de 1,2°C, seria tão menos grave que, atualmente, não seria classificada como seca.
  • Em que medida as alterações climáticas induzidas pelo homem foram um fator determinante destas tendências? O SPEI de 36 meses em ambas as regiões foi analisado através de dados de observações e de modelos climáticos. Na bacia ET, a probabilidade de ocorrência de uma seca deste tipo aumentou 25 vezes em comparação com um mundo 1,2 °C mais frio. No Irão, a probabilidade de ocorrência de uma seca deste tipo aumentou num fator de 16 em comparação com um mundo 1,2 °C mais frio.
seca; crise hídrica
As limitações na capacidade técnica, na gestão da água e na cooperação regional da região exacerbam, na atualidade, os elevados níveis de stress hídrico nestas regiões.
  • A precipitação e a temperatura foram analisadas separadamente. Os cientistas verificaram que a probabilidade e a intensidade da precipitação sofreu poucas alterações, mas a temperatura registou um aumento muito significativo. Assim, conclui-se que o forte aumento da gravidade das secas é principalmente motivado pelo forte aumento das temperaturas extremas devido à queima de combustíveis fósseis.
  • Estes fenómenos tornar-se-ão ainda mais comuns no futuro, a não ser que o mundo deixe rapidamente de queimar combustíveis fósseis.
  • Uma crise hídrica complexa nasceu da combinação de fatores como o rápido crescimento da população, a industrialização e as alterações na utilização dos solos, as práticas de construção de barragens e a gestão dos caudais dos rios entre os países a montante e a jusante, as estações de tratamento de água envelhecidas e a baixa eficiência dos sistemas de irrigação contribuíram para uma crise hídrica complexa. Como se isto não bastasse, a água é utilizada como arma nos conflitos, sendo os sistemas hídricos cada vez mais alvo de sabotagem.

Os resultados do estudo e a urgência em dar uma resposta humanitária interdisciplinar

Apesar da "baixa confiança" nas projeções do IPCC para a seca na região, o aumento do stress hídrico provocado pelas alterações climáticas induzidas pelo Homem, bem como por outros fatores sistémicos, mantém-se como uma grande ameaça para a população e exige esforços urgentes para estratégias mais eficazes de gestão da água, bem como uma resposta humanitária interdisciplinar e uma cooperação regional que inclua os agricultores e outras partes interessadas no planeamento.