A lógica da batata reside afinal num tomate com nove milhões de anos

Investigadores chineses descobriram que este alimento resultou de um encontro casual com um parente improvável. Esta é a incrível história de um tubérculo, que nos lembra a importância de recuperar as nossas raízes

Batatas brancas e tomates
A resiliência e a grande capacidade de reprodução da batata devem-se ao cruzamento genético com um antepassado do tomate ocorrido há milhões de anos. Foto: Marwib /Pixabay

A batata, domesticada pelos povos andinos da América do Sul, começou a ser cultivada há oito milhões de anos. Mas como surgiu este alimento que está hoje entre os mais consumidos do mundo? A sua origem sempre foi misteriosa.

Como as plantas não se preservam bem no registo fóssil, os estudiosos sobre os primórdios das espécies vegetais têm sempre grandes dificuldades em progredir nas suas investigações.

Mas, agora, o enigma da batata foi finalmente desvendado por uma equipa de cientistas chineses que se deu ao trabalho de analisar mais de 400 genomas de espécies cultivadas e selvagens relacionadas com este tubérculo.

A investigação permitiu conhecer a verdadeira história por detrás da batata. Tudo começou há cerca de nove milhões de anos quando o Etuberosum, um antepassado primitivo do tomate, se cruzou acidentalmente com este alimento básico, versátil e rico em amido.

O superpoder dos tubérculos

Essa combinação genética favoreceu o rápido desenvolvimento das estruturas conhecidas como tubérculos, sistemas subterrâneos que armazenam nutrientes e energia.

Embora os tomates nem os seus antepassados tivessem a capacidade de desenvolver bolbos e rizomas no subsolo — como as batatas modernas, os inhames, os nabos, as cenouras e os taros— a planta híbrida que resultou desse cruzamento, tratou de percorrer esse caminho.

Os Etuberosums (à esquerda) e as plantas de batata (à direita)
Os Etuberosums (à esquerda) são plantas semelhantes à batata que não produzem tubérculos, mas as plantas de batata (à direita) evoluíram para os produzir. Imagem: Instituto de Genómica Agrícola de Shenzhen/Academia Chinesa de Ciências Agrícolas (AGIS-CAAS)

Os tubérculos evoluíram como uma forma verdadeiramente engenhosa de armazenarem nutrientes debaixo do solo à medida que o clima e o ambiente nos Andes se tornavam mais frios.

As batatas conseguiram, deste modo, reproduzir-se sem sementes ou polinização, dando origem a novas plantas a partir dos próprios rebentos. Esta habilidade evolutiva facilitou a sua expansão por diferentes habitats, desde planícies às montanhas, na América Central e do Sul.

"A evolução de um tubérculo deu às batatas uma enorme vantagem em ambientes hostis, impulsionando uma explosão de novas espécies e contribuindo para a sua rica diversidade das quais hoje dependemos"

Sanwen Huang, coautor do estudo

Atualmente, existem mais de 100 espécies de batata selvagem que também produzem tubérculos, embora algumas não sejam comestíveis por conterem toxinas.

A resiliência codificada nos genes

A equipa de biólogos evolucionistas descodificou também quais os genes fornecidos por cada planta para criar os tubérculos. Compreender a génese e a evolução das batatas não é apenas um mero exercício sem utilidade prática.

O seu estudo, em última análise, poderá ajudar os investigadores a desenvolver batatas e outros tubérculos mais resilientes às doenças e aos efeitos das alterações climáticas.

A memória enterrada em espécimes raras

Uma outra grande inovação que o estudo trouxe foi a metodologia usada pelos investigadores. Os antepassados comuns dos tomates e do Etuberosum já não estão entre nós, nem sequer as espécies que divergiram dessas linhagens sobreviveram para contar a sua história.

Para recuperar a memória geológica perdida, os cientistas foram à procura de marcadores genéticos nas plantas, tentando desfiar o novelo da sua existência desde a sua raiz até à atualidade. Tratou-se, no fundo, de procurar um sinal que veio do passado, mas que ainda está presente nas plantas que hoje cultivamos.

Para rastrear este vestígio ao longo do tempo, os investigadores compilaram uma base de dados genética para as batatas.

Nesse catálogo incluíram a análise de espécimes raras só encontradas em museus e em vales circunscritos na região dos Andes.

O mapeamento da linhagem destas espécies permitiu reconstituir vários excertos da sua história, do primeiro capítulo ao epílogo dos tempos contemporâneos.

O esforço valeu a pena porque, segundo os autores do estudo, resultou na coleção mais “abrangente de dados genómicos de batatas selvagens já analisada”, revelou em comunicado Zhiyang Zhang, investigador do Instituto de Genómica Agrícola de Shenzhen.

A empreitada permitiu chegar à primeira espécie e todas as outras que vieram a seguir. Os diferentes tipos de batata seguiram a sua estrada, ramificaram, divergiram, bifurcaram e afastaram-se dos seus antecessores.

Batata assada espetada num garfo
Há mais de 20 espécies de batatas que hoje são cultivados comercialmente. Foto: StockSnap/Pixabay

Mas todas as batatas, por mais distintas que sejam, incluem uma combinação de material genético derivado do Etuberosum e do tomate, mostrando que, por mais sinuosos que os caminhos possam vir a se revelar, não é possível renegar as origens.

Referência da notícia

Zhiyang Zhang, Pingxian Zhang, Yiyuan Ding2, Zefu Wang, Zhaoxu Ma, Edeline Gagnon, Yuxin Jia, Lin Cheng, Zhigui Bao, Zinan Liu, Yaoyao Wu, Yong Hu, Qun Lian, Weichao Lin, Nan Wang, Keyi Ye, Hongru Wang, Jinzhe Zhang, Yongfeng Zhou, Liang Liu, Suhua Li, William J. Lucas, Tiina Särkinen, Sandra Knapp, Loren H. Rieseberg, Jianquan Liu, Sanwen Huang. Ancient hybridization underlies tuberization and radiation of the potato lineage. Cell Magazine.