Mudança na órbita do planeta permitiu vida no 'Terra Bola de Neve'

As camadas de rochas ricas em ferro, depositadas durante as mais extremas idades do gelo da Terra, poderiam explicar como o oxigénio persistiu nos oceanos, e por conseguinte, a existência de vida durante o designado evento 'Snowball Earth'.

Snowball Earth; Terra Bola de Neve
Outrora, quase toda a extensão continental e oceânica da Terra esteve coberta por gelo, nos chamados eventos 'Terra Bola de Neve'.

Embora o pensamento de gelo no equador possa ser difícil de imaginar, há provas convincentes de que quase toda a Terra esteve outrora coberta por gelo - evento conhecido como "Terra Bola de Neve".

As rochas dos Montes Flinders, no Sul da Austrália, contêm pistas desta extrema Idade do Gelo. Antes das forças tectónicas elevarem as montanhas do fundo do oceano até às alturas que hoje ocupam, o gelo glaciar transportava pedras de longe e deixava-as num local. Estando as rochas depositadas a poucos graus do equador só pode significar uma coisa; em algum momento da história da Terra, o gelo ocupava latitudes baixas.

Análises destas rochas mostram que as condições da ‘Terra Bola de Neve’ começaram há cerca de 700 milhões de anos e duraram quase 60 milhões de anos, terminando pouco antes da maior explosão de vida no planeta. Mas o que intriga os investigadores há quase um século é: como a vida primitiva conseguiu sobreviver até esse ponto? Com enormes camadas de gelo a vedar a água da atmosfera, os oceanos teriam pouco ou nenhum oxigénio para os habitantes.

Formações com bandas de ferro

Para responder a esta pergunta, os investigadores recorreram a camadas de rochas sedimentares ricas em ferro e sílica conhecidas como formações com bandas em ferro (BIF’s), depositadas no oceano durante a ‘Terra Bola de Neve’ e agora encontradas nos Montes Flinders.

Formações com bandas de ferro
Formações com bandas de ferro mostrando a alternância entre camadas ricas em ferro (vermelho) e ricas em sílica (branco). Créditos: Universidade de Southampton

As BIF's formaram-se quando camadas de gelo marinho impediram a troca de oxigénio entre a atmosfera e o oceano, permitindo a acumulação de ferro de erupções vulcânicas submarinas na água do mar. No entanto, as camadas periódicas de sílica são provas de que o oxigénio também deve ter estado envolvido.

Cientistas descobriram que o timing dos ciclos de Milankovitch (mudanças na órbita da Terra) estava perfeitamente alinhado com o timing das variações nas camadas rochosas.

De acordo com Mitchell, "Camadas como esta não se formam quando o oceano está completamente selado com gelo". Para examinar como o oxigénio poderia ter entrado no oceano durante a ‘Terra Bola de Neve’, ele e os seus colegas mediram até que ponto as BIF’s ficaram magnetizados quando expostas a um campo magnético. Descobriram que o timing das mudanças na órbita da Terra (conhecidas como ciclos de Milankovitch) estava bem alinhado com o timing das variações nas camadas rochosas.

BIF’s e ciclos de Milankovitch

Os ciclos de Milankovitch referem-se às mudanças periódicas na forma da órbita da Terra, juntamente com a sua inclinação e oscilação, durante dezenas de milhares de anos. As mudanças afetam a posição da Terra em relação ao Sol e a quantidade de radiação solar que atinge a sua superfície, influenciando, por sua vez, o clima da Terra.

Uma interpretação possível é que os ciclos de Milankovitch fizeram com que as camadas de gelo avançassem e recuassem ritmados com as mudanças na radiação solar. Isto explicaria porque as rochas, como as encontradas nos Montes Flinders, alternam entre as camadas sedimentares de BIFs e os depósitos glaciares.

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Os investigadores relatam que as BIF’s foram depositadas durante centenas de avanços e recuos glaciares ao longo de um período de quatro milhões de anos. "Os nossos novos dados sugerem que o recuo do gelo abriu áreas sem gelo, permitindo a mistura de oxigénio nos oceanos e permitindo a persistência da vida durante a Terra Bola de Neve", diz Mitchell.

Esta teoria ganha consistência ao ‘casar’ com outra já mais antiga

A teoria de que a ‘Terra Bola de Neve’ experimentou uma série de avanços e recuos glaciares, permitindo a persistência do oxigénio nos oceanos e, por sua vez, a sobrevivência da vida, encaixa bem com uma já existente.

Durante os avanços das camadas de gelo continentais, a pressão do gelo sobrejacente provoca o derretimento sob o glaciar. Nas linhas do solo (onde os lençóis de gelo se encontram com o oceano), a água derretida entra no oceano - juntamente com o oxigénio que ficou preso no seu interior como bolhas de ar quando o gelo se formou.

lago glaciar, Islândia
O processo foi essencialmente uma "bomba de oxigénio", semelhante ao que está a acontecer nos lagos sub-glaciais atuais.

Os sedimentos do mundo inteiro contribuem com provas de que isto ocorreu durante o ‘Snowball Earth’. O processo foi essencialmente uma "bomba de oxigénio", semelhante ao que está a acontecer nos lagos sub-glaciais atuais, diz Galen Halverson, geólogo da Universidade McGill no Canadá, que não esteve neste estudo.

Halverson et al., examinaram BIF’s num estudo de 2019 e descobriram que a convergência da água de fusão rica em oxigénio e da água do mar rica em ferro provavelmente forneceu energia suficiente para sustentar a vida durante este tempo. O avanço e recuo do gelo devido aos ciclos orbitais da Terra poderia ter aberto mais áreas no oceano e contribuído para esta bomba de oxigénio durante o evento ‘Terra Bola de Neve’.