Genoma de planta tolerante à seca: muitos genes potenciam a "ressurreição"

Há plantas capazes de sobreviver vários meses sem água. E o facto é que depois de apenas alguns aguaceiros, conseguem tornar-se novamente verdes. Estudo recente mostra que isto não se deve a "gene milagroso". Então?

Craterostigma plantagineum; seca; genoma;
A Craterostigma plantagineum é uma planta que, mesmo após vários meses exposta à seca extrema, é capaz de tornar-se novamente verde apenas com um ou dois curtos aguaceiros. Foto: Dieter Herman/Green24.

Existem plantas que conseguem sobreviver vários meses sem água, e o facto é que, depois de apenas alguns curtos aguaceiros, possuem a habilidade de se tornarem novamente verdes.

Estudo mostra que isto não se deve a um “gene milagroso”, mas trata-se antes da consequência de toda uma rede de genes, que também existe em variedades mais vulneráveis.

No estudo científico realizado por investigadores das Universidades de Bonn e do Michigan, foi analisada ao pormenor uma espécie que tem vindo a ser investigada desde há bastante tempo: a planta da ressurreição Craterostigma plantagineum. Os resultados deste estudo “Core cellular and tissue-specific mechanisms enable desiccation tolerance in Craterostigma” já se encontram online e foram publicados na revista científica “The Plant Journal”.

A planta da ressurreição: Craterostigma plantagineum

O nome da planta de ressurreição - Craterostigma plantagineum – faz todo o sentido: afinal de contas, em estações de seca extrema poderia pensar-se que a planta está morta. Contudo, o mais surpreendente é que depois de vários meses exposta à ausência de precipitação e ao agravamento de seca, quando uma quantidade mínima de água cai do céu, torna-se o suficiente para a ressuscitar.

A Professora Dra. Dorothea Bartels do Instituto de Fisiologia Molecular e Biotecnologia das Plantas (IMBIO) da Universidade de Bonn explica que os seus interesses e os da equipa de investigação focam-se em perceber que genes são responsáveis pela tolerância à seca, tendo-se tornado claro, à medida que foram aprofundando os estudos, que esta capacidade da planta não é consequência de um único “gene milagroso”. Ao invés, são vários os genes envolvidos, a maioria dos quais também existentes em espécies que não enfrentam tão bem a seca.

A Craterostigma plantagineum tem oito cópias de cada cromossoma

Na investigação científica que foi levada a cabo, analisou-se o genoma completo de Craterostigma plantagineum, algo bastante complexo: a maioria dos animais tem duas cópias de cada cromossoma (1 da mãe, 1 do pai e por isso diplóides), mas esta planta tem oito! Quando um genoma tem oito cópias de cada cromossoma, a sua designação é octoplóide, o caso da incrivelmente complexa Craterostigma plantagineum.

"Tal multiplicação de informação genética pode ser observada em muitas plantas que evoluíram sob condições extremas", diz Bartels.

Porque será assim? Uma das prováveis razões é que se um gene estiver presente em oito cópias em vez de duas, pode, em princípio, será lido quatro vezes mais depressa. Um genoma octoplóide pode assim permitir que grandes quantidades de uma proteína necessária sejam produzidas muito rapidamente e isto também sugere ser um fator diferenciador e importante para o desenvolvimento da tolerância à seca.

Alguns genes associados a uma maior tolerância à seca são ainda mais replicados na Craterostigma, tais como: ELIP’s, isto é, "Early Light Inducible Proteins", genes rapidamente ligados pela luz e protegidos contra o stress oxidativo e que desdobram-se em números elevados de cópias em todas as espécies tolerantes à seca.

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A Craterostigma possui cerca de 200 deste tipo de genes. Portanto, isto parece indicar que as plantas que são tolerantes à seca conseguem, regular-se rapidamente em caso de seca ao se socorrerem de uma extensa rede de genes.

Tal como as plantas de ressurreição (mais tolerantes à seca), também as espécies sensíveis à seca possuem os mesmos genes na maioria dos casos, ainda que em números de cópias mais baixos. Apesar de longos períodos de seca, as sementes e o pólen da maioria das plantas são capazes de germinar, ao serem detentoras de um programa genético de proteção contra a seca.

Contudo, diferentemente de plantas como a Craterostigma plantagineum, “este programa é normalmente desligado na germinação e não pode ser reativado posteriormente", explica a professora e também botânica Dorothea Bartels. Nas plantas tolerantes à seca o programa mantém-se ativo.

Num futuro com extremos climáticos mais frequentes, o que esperar das plantas?

A tolerância à seca parece portanto ser algo que a grande maioria das plantas é capaz de demonstrar. Os genes associados a esta capacidade terão provavelmente surgido ao longo da evolução. Mas, claro está, estas redes de genes são muito mais eficientes em espécies tolerantes à seca.

De acordo com investigadores da Universidade de Dusseldorf que também participaram no estudo, nem todas as células da Craterostigma plantagineum apresentam o mencionado "programa de seca". Durante a dessecação (seca ou secura extrema), nas raízes, as redes de genes que estão ativas são diferentes das das folhas.

Como as folhas necessitam de se proteger dos efeitos nocivos do sol, são auxiliadas neste processo pelos ELIP’s. Contendo humidade suficiente, a planta é capaz de formar pigmentos fotossintéticos que absorvem, nem que seja parcialmente, a radiação. Durante a seca, esta proteção natural simplesmente não acontece ou então é muitíssimo reduzida. Ao invés, as raízes nem precisam de “ter cuidado” com as queimaduras provocadas pelo Sol.

A longo prazo: poderá contribuir para a reprodução de culturas como o trigo ou o milho

O estudo ajuda a compreender a razão pela qual algumas espécies são capazes de tolerar tão bem a seca. A longo prazo, é possível que seja capaz de contribuir para a reprodução de culturas como o trigo ou o milho, que enfrentam relativamente bem a seca. Numa época em que se vivem as alterações climáticas, é provável que estas culturas possam vir a ser mais procuradas do que nunca no futuro.