Flash azul no céu: novo fenómeno elétrico descoberto na atmosfera

Com a ajuda de um instrumento da Estação Espacial Internacional e de sensores terrestres, os investigadores detetaram pela primeira vez a emissão simultânea de flashes azuis em tempestades. Estes eventos são produzidos por descargas elétricas formadas por plasma, mas ao invés de ser quente, é frio.

relâmpago azul frio
Tempestade fotografada da Estação Espacial Internacional em 2015. O painel sobreposto corresponde a uma das imagens capturadas pela câmara de 337 nm do ASIM de uma das descargas corona que fazem parte deste estudo. / ESA e Soler et al. (2020)

A família de fenómenos elétricos que ocorrem na nossa atmosfera não pára de crescer. Durante séculos acreditou-se que a atividade elétrica na atmosfera ocorria somente em tempestades. Contudo, cerca de três décadas atrás, foram descobertos eventos de luz transitória (TLEs, como Elves ou anéis de luz ultravioleta e os blue Jets), uma série de eventos relâmpagos muito rápidos relacionados com as tempestades que geralmente ocorrem dezenas de quilómetros acima das nuvens.

Em 1994, as explosões de raios gama terrestres (TGF), os fenómenos mais violentos na atmosfera da Terra, também foram descobertas. Eles têm origem no topo de nuvens de tempestade e foram um achado inesperado, já que até então se pensava que a radiação gama só vinha do espaço sideral.

Só recentemente, em 2016, um estudo sugeriu que esses pulsos bipolares poderiam ser resultado de processos muito rápidos típicos de descargas frias, ou seja, aquelas que, ao contrário dos raios, não aquecem o ar circundante

Agora, um estudo conduzido por investigadores do Instituto de Astrofísica da Andaluzia (IAA-CSIC) e publicado no Journal of Geophysical Research - Atmospheres, confirma a presença de um tipo de descargas elétricas frias (não quentes como raios) no interior das nuvens. Como resultado, são produzidos flashes azuis e emissões de rádio pulsadas, que os autores foram capazes de detectar. Essas emissões vindas das nuvens são de natureza bipolar (com subidas e quedas claras nos pulsos de rádio), são muito rápidas e a sua primeira detecção data da década de 1980, século passado.

Em 2013, o satélite FORTE detectou uma série de flashes ópticos que pareciam estar associados a esses pulsos de rádio bipolares, mas não foi possível determinar se eram raios ou outro tipo de descarga elétrica.

Questão resolvida no mar da Indonésia

Uma investigação feita pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica (TRAPPA) do Instituto de Astrofísica da Andaluzia resolveu esta questão ao detectar simultaneamente, pela primeira vez, flashes azuis e emissão bipolar de rádio pulsada de nuvens de tempestade. Os flashes estudados ocorreram durante uma intensa tempestade elétrica ocorrida na Indonésia em 2019. Os registos de rádio foram obtidos com sensores terrestres localizados no Estreito de Malaca, operados por investigadores da China, e as observações ópticas foram feitas com o instrumento ASIM, instalado na Estação Espacial Internacional.

As altitudes das fontes estimadas a partir de sinais ópticos e de rádio coincidem e indicam que as fontes dos flashes azuis estão entre 8,5 e 14 km, numa nuvem que atingiu uma altitude de 14 a 15 km. A ausência de brilho na faixa típica dos raios permitiu aos autores confirmar que, de facto, eles correspondem a um tipo de descargas elétricas naturais frias de cuja formação e presença em nuvens de tempestade se suspeitava.

Descargas Corona

Especificamente, estas descargas seriam descargas do tipo corona (têm a aparência de um halo luminoso), que quando estudadas em laboratório se caracterizam pela sua aparência filamentosa e cor azulada (emitem em azul e quase ultravioleta), e que também são produzidas em condições quotidianas, como linhas de alta tensão ou pára-raios.

Estes tipos de descargas apresentam um grande desequilíbrio térmico, de até dezenas de milhares de graus, entre a temperatura do ar ambiente e a dos elétrons dentro do filamento do plasma, e por isso podem ativar reações químicas especiais na atmosfera. Assim, embora as descargas térmicas produzam óxidos de nitrogénio (gases nocivos aos seres humanos), essas descargas frias produzem quantidades significativas de óxido nitroso e ozono, gases que contribuem para o efeito estufa.

O óxido nitroso tem um potencial de aquecimento global cerca de trezentas vezes superior ao do dióxido de carbono e tende a eliminar o ozono ambiental, por isso a sua quantificação precisa e o conhecimento das suas fontes e sumidouros na atmosfera são essenciais.

Estes flashes resolvem a origem dos pulsos de rádio bipolares, mas levantam uma série de questões sobre as propriedades das descargas do tipo corona nas nuvens, sobre os seus processos de formação, dinâmica temporal e possível influência química na nossa atmosfera.