Dogxim: o adorável animal híbrido de aparência sobrenatural encontrado no sul do Brasil

A ocorrência de hibridização de animais na natureza evidencia o impacto das ações do Homem. Estaremos a exterminar a vida selvagem tal como a conhecemos?

meio raposa, meio cão
Dogxim era um animal híbrido, resgatado após ter sido atropelado por um carro e tratado por veterinários que notaram a sua singularidade. Morreu em março deste ano e a sua causa de morte ainda é desconhecida. Foto: Flávia Ferrari

Um estranho animal de pelo escuro cor de carvão e orelhas pontiagudas, que se alimentava preferencialmente de ratos, trepava às árvores e ladrava como um cão, foi resgatado perto da cidade rural de Vacaria, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, depois de ter sido atropelado por um carro.

Uma equipa de cientistas de universidades locais publicou os resultados do estudo do animal, que apresentava características fenotípicas intermédias entre o cão doméstico (Canis lupus familiaris) e a raposa dos pampas (Lycalopex gymnocercus).

As probabilidades de cães e raposas se cruzarem são baixas - não só porque são de espécies e géneros diferentes, mas também porque têm números de cromossomas diferentes - pelo que a descoberta deste animal resultante de uma hibridação interespecífica pela primeira vez na América do Sul chamou a atenção da comunidade científica.

Os testes genéticos revelaram que o híbrido tinha 76 cromossomas, ao contrário do cão com 78 e da raposa com 74. Verificou-se que as espécies progenitoras têm um antepassado comum que se começou a separar há cerca de 6,7 milhões de anos.

Os processos de hibridação estão documentados há anos, mas esta é a primeira vez que, com o estudo da fêmea de canídeo encontrada em Vacaria, se descreve um exemplar que envolve espécies de géneros diferentes.

O "dogxim" descoberto no sul do Brasil é suscetível a contrair doenças caninas, para as quais não tem imunidade natural, e tem características, como por exemplo uma pelagem densa, que dificultam a sua adaptação a um ambiente também habitado por humanos.

Porque é que a hibridação ocorre?

À medida que o desenvolvimento humano invade as áreas naturais, principalmente em processos de agricultura, as espécies domésticas entram em contacto com os animais selvagens e interagem estreitamente, dando origem a espécies híbridas como o Dogxim.

Por outro lado, o aquecimento global faz com que algumas espécies invadam o habitat de outras, que se acasalam quando os processos reprodutivos de ambas coincidem. É o caso da hibridação entre ursos pardos e polares provocada pelo recuo do gelo no Ártico, que deu origem ao Grolar, um animal de maiores dimensões, com uma musculatura desenvolvida que lhe permite caçar mais facilmente e uma mobilidade superior que pode atingir os 50 km/h.

A intervenção humana levou também ao nascimento de híbridos como o tigreão, resultante do acasalamento em cativeiro entre um tigre macho e uma leoa. São predadores de grande porte, com um corpo esguio e listrado, e foi confirmado que os machos são inférteis, mas as fêmeas não.

Quais são as consequências da hibridação?

Cientistas brasileiros alertam para os efeitos nocivos desta interação para as raposas-das-pampas, devido à potencial introgressão (passagem de genes de uma espécie para outra e sua estabilização no genoma do hospedeiro) e transmissão de doenças dos cães domésticos.

No entanto, o fenómeno da hibridação animal deve ser estudado sob múltiplas perspetivas. Os problemas ecológicos que resultariam da competição entre as espécies parentais e os híbridos pelos recursos do seu habitat ameaçariam diretamente a biodiversidade do planeta. A pureza genética das espécies em vias de extinção pode perder-se durante estes processos de cruzamento, ameaçando diretamente a conservação de seres únicos que habitam a Terra há milhões de anos.