Destruindo mitos: “um raio não cai duas vezes no mesmo lugar”

Embora saibamos que o velho ditado sobre a queda de raios no mesmo lugar é falso, um novo estudo traz-nos pistas sobre como nos protegermos de “raios recorrentes”.

Empire State, EUA, raio
O edifício Empire State Building é atingido cerca de 25 vezes por ano por raios, embora nem sempre no para-raios (ou no mesmo local).

A todo o momento, há cerca de 1.800 tempestades ativas no planeta, o que significa cerca de 40.000 tempestades por dia que causam cerca de 44 raios que atingem a superfície da Terra a cada segundo. Tudo isto equivale a cerca de 1,4 biliões de descargas elétricas por ano.

Um cálculo matemático simples diz-nos que para cada km² da superfície da Terra (510 milhões de km²), caem menos de 3 raios por ano. Agora, se retirarmos a superfície do planeta onde as tempestades são pouco frequentes ou raras (regiões subpolares e polares), e os oceanos (onde a densidade de raios varia entre 0,1 e 1,0 raios por km² por ano), temos que, em média, são aproximadamente 10 raios que caem em cada Km² do nosso planeta.

Com uma quantidade tão grande de raios, é quase impossível pensar que exista algum lugar no planeta que não tenha sido atingido duas vezes por um raio. E a ciência encontrou agora a explicação do porquê de alguns locais terem uma maior probabilidade do que outros de serem atingidos por mais de um raio.

O estudo

Uma equipa de cientistas da Universidade Politécnica da Catalunha (UPC), em Barcelona, em conjunto com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), descobriu quais são alguns dos locais com maior probabilidade de serem atingidos mais de uma vez por raios: são locais realmente altos ou com encostas muito íngremes.

Mapa mundial da frequência dos raios
Mapa mundial da frequência dos raios: descargas/Km²/ano. As áreas com maior frequência de raios são as terrestres, localizadas nos trópicos.

Os investigadores chamaram estes locais de pontos de raios recorrentes (RLS, em inglês). Eles dizem que esta descoberta fornece informações essenciais para sabermos como nos proteger e proteger as nossas estruturas dos raios que vão da nuvem ao solo, os conhecidos como “raios nuvem-solo”.

“Este artigo questiona a expressão ‘um raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar’ porque mostra que nalguns pontos ele cai até mais de duas vezes: ano após ano”, escrevem os investigadores no artigo.

Tipos de raios

Dependendo dos pontos entre os quais ocorre o raio, existem quatro tipos diferentes de raio:

  • Raios Nuvem-Nuvem: são aqueles que vão de uma nuvem a outra.
  • Raios Intra-Nuvem: são os existentes dentro de uma mesma nuvem entre áreas com cargas diferentes.
raios
Aqueles raios que caem das nuvens para o solo são os mais perigosos, pois podem ferir pessoas fatalmente, causar incêndios e afetar o serviço de energia elétrica.
  • Raios Nuvem-Ar: são descargas elétricas em direção à estratosfera.
  • Raios Nuvem-Terra: são aqueles que ocorrem desde uma nuvem até ao solo. É deste tipo de raio que devemos proteger-nos devido ao perigo que representam ao impactar pessoas e estruturas que estão em terra.

A descoberta

Para identificar os RLS, os investigadores analisaram dados obtidos pela rede de detecção de raios LINET na Catalunha (nordeste da Espanha) e em Barrancabermeja (centro-norte da Colômbia). Estas regiões têm uma climatologia de raios muito diferentes, mas possuem orografia semelhante.

Para o estudo foram analisados dados de 5 milhões de raios nuvem-terra em uma área de quase 100 mil km² na Espanha, e também quase 70 milhões de raios nuvem-terra numa área quase 10 vezes menor na Colômbia. A incrível diferença de raios entre uma área e outra (50 raios por km² em 10 anos na Espanha, em comparação com quase 7.000 raios por km² em 9 anos na Colômbia) está no facto de que a área de Barrancabermeja está mais próxima do trópicos, e é por isso que os raios são mais frequentes, tornando esta área muito mais ativa.

raios, hélices, vento
Estudos indicam que as turbinas eólicas podem atuar como grandes ímanes para raios. Eles podem receber raios a cada três segundos durante horas, mesmo que não haja tempestades por perto.

Os investigadores descobriram que na Catalunha, 13% dos raios atingiram edifícios altos e 72% atingiram altitudes elevadas, principalmente montanhas nos Pirenéus, em altitudes entre 1.000 e 3.000 metros acima do nível do mar. Também descobriram que muitos dos impactos observados ocorreram em picos montanhosos pontiagudos. Eles identificaram 148 RLS com altitude média de 2.400 metros.

Barrancabermeja está localizada a uma altitude mais baixa que a de Catalunha. Lá os RLS tinham altitude média de 175 metros (na Catalunha eram 2.400 m), mas descobriu-se que ocorriam em terrenos íngremes, onde o terreno desce em ângulos severos, ou atingindo torres altas que se destacavam por cima dos edifícios mais baixos.

O estudo determinou que os RLS em ambas as regiões estão geralmente relacionados com estruturas altas, picos montanhosos e terrenos íngremes.

As recomendações

Está comprovado que objetos altos são mais suscetíveis a raios: o arranha-céu Empire State Building, em Nova Iorque, recebe em média 25 raios por ano, e a Torre Eiffel, em Paris, cerca de 5 no mesmo período. A investigação é consistente com estes dados, mas também mostra que, mesmo em altitudes mais baixas, uma estrutura alta feita pelo homem não é o único local atrativo para raios.

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As descobertas sugerem que regiões íngremes podem ter maior probabilidade de serem atingidas por raios. Isto pode ajudar futuras análises de avaliações de risco e manutenção preventiva em estruturas como turbinas eólicas, torres de comunicação ou sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica. O período de retorno do raio é estimado em 1 ano, e as informações dos RLS podem complementar as informações regulares sobre raios, tornando este estudo muito atrativo para empresas de manutenção e seguradoras.

Referência da notícia:

Sola, G. et al. Recurrent lightning spots: Where lightning strikes more than twice. Journal of Geophysical Research: Atmospheres, v. 129, n. 5, 2024.