Quando os cometas, como o NEOWISE, eram atmosféricos

Aristóteles no seu tratado "Meteorologia" dedicou um capítulo para expor a sua teoria sobre a formação de cometas. Nele defendia a sua natureza atmosférica, algo que se baseava na observação do fenómeno, que como bem sabemos, é de origem astronómica. As suas ideias foram válidas durante 2000 anos.

Cometa NEOWISE
O cometa NEOWISE fotografado desde Brno (República Checa), antes do nascer do sol de 10 de julho de 2020. Imagem astronómica do dia da NASA de 11-7-2020. Autor: © Miloslav Druckmuller (Brno University of Technology)

A observação de cometas no céu não passou despercebida por nenhuma cultura. Historicamente, o seu aparecimento tem sido associado, não raro, a maus presságios e calamidades. As primeiras referências a eles datam de há cerca de 4.000 anos, embora possamos ter a certeza de que os nossos primeiros antepassados já tiveram a oportunidade de os ver a voar através do céu com a sua cauda impressionante. Em média, pode-se vê-los a olho nu da superfície terrestre a cada 10 anos, que é exatamente o que está a acontecer hoje em dia com o cometa NEOWISE. Embora neste momento saibamos muitas coisas sobre a sua natureza e condição de objeto extraterrestre, isto nem sempre foi assim, coexistindo durante muitos séculos a teoria astronómica com a meteorológica.

Sabemos de Séneca que os Caldeus, durante a primeira fase do Império Babilónico (entre os séculos XVIII e XVI a.C.) consideraram os cometas como corpos celestes diferentes dos planetas, que normalmente não eram vistos porque estavam localizados mais longe. A sua aproximação à Terra foi o que os tornou visíveis. Na Grécia Clássica, Demócrito (460 a.C. - 370 a.C.) defendeu uma ideia semelhante, dando uma explicação natural para o fenómeno. Para este filósofo, os cometas eram a consequência de uma conjunção planetária, o que provocava uma espécie de chama. Contudo, este raciocínio colidiu com a explicação dada por Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), baseada na observação.

A teoria cometária de Aristóteles

O grande sábio de Stagira tinha observado algumas conjunções planetárias e de planetas e estrelas, sem que um cometa tivesse aparecido, como Demócrito postulava, o que o levou a deduzir que os cometas não podiam ser considerados como corpos astrológicos (astronómicos) como os planetas; a sua origem devia estar então na própria atmosfera. Segundo Aristóteles, os cometas formavam-se na região sublunar, que era uma das regiões em que o céu estava dividido na época clássica, com as regiões associadas a cada um dos quatro elementos básicos da natureza (ar, água, terra e fogo) abaixo e as esferas dos planetas e a abóbada de estrelas do céu acima.

Aristóteles e Meteorologia
Esquerda: Busto de Aristóteles localizado no Palácio Altemps, Roma. © Coleção Ludovisi. Direita: Frontíspicio do sexto tomo de “Meteorologia” de Aristóteles. Edição impressa em Veneza em 1560. Fonte: Wikipedia

Graças ao seu tratado "Meteorologia", escrito por volta de 340 a.C., Aristóteles popularizou a palavra "cometa", referindo-se a "estrelas com cabelo" como kometes; uma palavra derivada do grego kome, que significa "cabelo". No Livro I da obra, dedicou o capítulo 7 à explicação da sua teoria dos cometas. A primeira coisa que Aristóteles faz é refutar as teorias astronómicas de outros autores, defendendo a natureza atmosférica do fenómeno observado. Para ele, a Terra está rodeada por uma "exalação" seca e quente, localizada imediatamente acima do ar (meio gasoso) que forma a atmosfera. A formação de grandes objetos ígneos dentro da região do fogo formaria o corpo do cometa. Quando estes objetos incandescentes se movimentam e passam pela mencionada exalação, o cometa forma-se.

Aristóteles ilustra a sua teoria ao comparar o cometa com uma estrela cadente. Apesar de que esta última -assinala- "é como um fogo que se propaga a grande velocidade e devora uma grande quantidade de matéria inflamável (...), o cometa é um fogo que se desencadeia num ponto com uma grande densidade de combustível que tem em si mesmo o seu início e o seu fim" (daí que o vejamos como estático). A teoria aristotélica completa-se acrescentando a possibilidade de a exalação ser formada por uma das estrelas, para além da própria Terra, caso em que a estrela também se torna um cometa. Estas ideias, principalmente as da natureza atmosférica dos cometas, mal foram discutidas durante dois mil anos, até que no século XVII as ideias expostas em "Meteorologia" começaram a diluir-se, diante da imparável ascensão do método científico.

Os cometas e a sua natureza astronómica

Durante estes dois milénios, foram observados muitos cometas a partir da Terra, alguns deles de grande magnitude, como o Grande Cometa de 1577, observado e estudado pelo astrónomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), que deduziu que se tratava de um objeto extraterrestre. Todas estas observações contribuíram para uma melhor compreensão da verdadeira natureza destes viajantes interplanetários, que de vez em quando, à medida que se aproximam do Sol, são visíveis do nosso planeta. O conhecimento sobre eles deu um salto qualitativo a partir da publicação da Teoria da Gravitação Universal de Isaac Newton (1642-1727) e a dedução - com base nela - do carácter periódico do cometa mais famoso de todos os tempos, por parte do astrónomo de quem recebe o seu nome: Edmund Halley (1656-1742).

O Grande Cometa de 1577
Gravura de Jiri Daschitzky do Grande Cometa de 1577, visto nos céus de Praga a 21 de novembro daquele ano. © Zentralbibliothek Zürich.

Os cometas continuam a despertar o interesse geral, algo que estamos a comprovar hoje em dia com a passagem do cometa NEOWISE. Sabemos que são corpos sólidos formados por material rochoso, gelo e poeira, cujos diâmetros não excedem algumas dezenas de quilómetros. A maioria deles provém de um grande enxame de objetos transneptunianos localizados no limite exterior do Sistema Solar. Alguns deles, devido à guerra das forças de atração gravitacional, iniciam uma longa viagem em direção à parte interior do mencionado Sistema Solar. Existem aqueles, como os Halley, que descrevem uma órbita elíptica alongada (de grande excentricidade) à volta do Sol, aproximando-se periodicamente da Terra (de 76 em 76 anos no caso do cometa Halley), enquanto outros têm trajetórias parabólicas ou hiperbólicas, que os aproximam da Terra apenas uma vez, alguns deles caindo contra o Astro-Rei.