Cientistas portugueses medem raio nuclear do hélio-3 com precisão inédita

O resultado da investigação internacional, agora publicado na prestigiada revista Science, constitui um teste rigoroso às teorias da física atómica.

Composição ilustrativa para representar o hélio-3
Com os novos dados obtidos nesta experiência, os investigadores esperam compreender a estrutura atómica com um alto grau de fiabilidade.

Uma equipa internacional de investigadores, incluindo 10 cientistas de três universidades portuguesas, alcançou um feito inédito na física atómica: a medição mais precisa de sempre do raio nuclear do hélio-3.

O estudo, agora publicado na revista Science, abre novas possibilidades na compreensão da estrutura do átomo e na validação de teorias fundamentais da física.

Os dados obtidos nesta investigação são considerados um contributo decisivo para a modelação teórica da estrutura nuclear, podendo vir a ser ainda fundamentais para testar a eletrodinâmica quântica em sistemas ligados, como os átomos. Além disso, fornecem valores de referência críticos para modelos nucleares baseados em princípios fundamentais da física.

Lua
A Lua é considerada uma fonte potencial de hélio-3, e países como a China e os EUA estão interessados em explorar e extrair este recurso para fins energéticos e tecnológicos. Foto: Gunboat_Willie/Pixabay

Estes modelos permitem uma melhor compreensão da força que mantém unidos os protões e neutrões no núcleo — a força forte. Para além disso, a determinação precisa destes raios possibilita testes rigorosos da eletrodinâmica quântica (QED) em sistemas simples, como os átomos, permitindo avaliar com elevada precisão o grau de fiabilidade da nossa compreensão da estrutura atómica.

Aplicações promissoras

O hélio-3 (He-3) é uma forma não radioativa do hélio, composta por dois protões e um neutrão no núcleo atómico, ao contrário do hélio comum (hélio-4) que tem dois neutrões.

Embora raro na Terra, é abundante na Lua, o que atrai países como China e Estados Unidos a explorar esse recurso para fins energéticos e tecnológicos.

As suas aplicações são diversificadas e promissoras, especialmente em áreas da energia nuclear e da física fundamental.

Um dos usos mais prometedores é como combustível para reações de fusão nuclear, uma fonte de energia limpa e abundante. O hélio-3 também é usado em deteção de neutrões, criogenia e, potencialmente, em computação quântica e imagem médica.

O investigador Luís Fernandes, da Universidade de Coimbra a trabalhar na experiência na internacional CREMA, na Suíça
O investigador Luís Fernandes, da Universidade de Coimbra, a trabalhar na experiência internacional CREMA, na Suíça. Foto: Universidade de Coimbra

Na física fundamental, em especial, as suas propriedades suscitam um enorme interesse por parte dos cientistas devido às suas propriedades únicas, incluindo a sua superfluidez e as características de ressonância magnética nuclear.

Esta superfluidez, em particular, é um fenómeno quântico macroscópico, oferecendo um ambiente de teste único para a compreensão de conceitos como a mecânica quântica e a quebra de simetria.

O superfluido hélio-3 tem sido utilizado para estudar vários outros sistemas físicos, incluindo supercondutores de férmios pesados, estrelas de neutrões e até as origens do universo.

Medições de altíssima precisão

A experiência que permitiu medir com precisão o raio nuclear do hélio-3 foi conduzida no Paul Scherrer Institut (PSI), na Suíça — o único centro no mundo com capacidade para gerar muões negativos lentos em quantidade suficiente.

Utilizando o feixe de muões mais intenso do planeta, os investigadores conseguiram substituir os eletrões do átomo de hélio-3 por muões (partículas subatómicas cerca de 200 vezes mais pesadas), formando o chamado hélio-3 muónico.

O Paul Scherrer Institut (PSI), Suíça
O Paul Scherrer Institut (PSI), na Suíça, possui instalações de investigação de grande dimensão e complexas, onde são realizadas experiências conduzidas por investigadores de todo o mundo. Foto: Paul Scherrer Institut (PSI)/Wikipedia

O sucesso da medição deveu-se também ao uso de um sofisticado sistema laser, que permite detetar com precisão a frequência de ressonância em que ocorre a transição energética do muão, resultando na emissão de raios X.

Este processo permitiu medir com altíssima precisão o raio de carga nuclear, agora estabelecido em 1,97007 fentómetros — sendo que um fentómetro é a bilionésima parte de um metro.

Portugal teve um papel central nesta descoberta científica. Participaram dez investigadores nacionais das universidades de Coimbra, Aveiro e Nova de Lisboa.

Os investigadores portugueses contribuíram com o desenvolvimento dos sistemas de deteção de raios X, controlo experimental e cálculos teóricos — componentes essenciais para o sucesso da experiência.

Os dados agora obtidos são cruciais para testar a eletrodinâmica quântica em sistemas ligados, como os átomos, fornecendo também referências importantes para modelos teóricos da estrutura nuclear.

A colaboração internacional CREMA - Charge Radius Experiment with Muonic Atoms, responsável pelo estudo, já se encontra, entretanto, a planear novas experiências incluindo a análise da estrutura hiperfina em átomos muónicos e novas medições com hidrogénio muónico, com o objetivo de explorar ainda mais os limites da física fundamental.

Referências do artigo

Karsten Schuhmann, Luís M. P. Fernandes, François Nez, Marwan Abdou Ahmed, Fernando D. Amaro, Pedro Amaro, François Biraben, Tzu-Ling Chen, Daniel S. Covita, et. al. The helion charge radius from laser spectroscopy of muonic helium-3 ions. Science.

Cientistas portugueses ajudam a medir o núcleo do hélio-3 com precisão sem precedentes. Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa