Avaliação das projeções do IPCC na mudança global no nível do mar a partir da era pré-satélite

Será que o relatório sem dados de satélites falhou muito do registado atualmente, em relação à subida do nível médio global do mar? Saiba mais aqui!

Em 2007, o IPCC recebeu o Prémio Nobel da Paz conjuntamente com Al Gore, pelo trabalho de divulgação e sensibilização sobre as alterações climáticas.

O artigo analisa a precisão das projeções de subida do nível médio global do mar realizadas pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) em meados da década de 1990, numa altura em que ainda não existiam medições contínuas por altimetria por satélite. Com mais de 30 anos de dados disponíveis desde 1993, tornou-se possível avaliar em detalhe se essas previsões corresponderam à realidade observada.

Os autores mostram que a projeção intermédia do Segundo Relatório de Avaliação do IPCC (IPCC-SAR, 1995/96), baseada no cenário de emissões IS92a, esteve surpreendentemente próxima da evolução real verificada até 2023. A diferença entre o previsto e o observado foi de apenas cerca de 1 cm, embora o aumento do nível do mar tenha ocorrido de forma ligeiramente mais rápida do que o estimado. Este grau de acerto é notável, tendo em conta o conhecimento científico e a capacidade computacional limitados da época.

Contudo, quando se analisam os contributos individuais para a subida do nível do mar, surgem diferenças relevantes. O IPCC-SAR conseguiu prever com razoável precisão a contribuição da expansão térmica dos oceanos (devido ao aquecimento da água) e do degelo de glaciares e pequenas calotes de gelo.

A perda dinâmica de massa das grandes camadas de gelo foi fortemente subestimada pelo IPCC-SAR

Porém, subestimou fortemente a perda dinâmica de massa das grandes camadas de gelo da Gronelândia e da Antártida, que, nas últimas três décadas, contribuíram com cerca de um quarto da subida global registada. Além disso, o impacto da transferência líquida de águas subterrâneas para o oceano também foi mais significativo do que o inicialmente considerado, uma vez que em 1996 este fator foi praticamente ignorado.

O Quarto Relatório (2007) foi o que consolidou o consenso internacional de que o aquecimento global é inequívoco e causado principalmente pelas atividades humanas.

O erro principal dos relatórios iniciais residiu no tratamento simplificado das camadas de gelo, baseados apenas em modelos de balanço de massa e assumindo que as respostas dinâmicas (fluxo e instabilidade dos glaciares) poderiam ser negligenciadas a escalas de décadas.

Estudos recentes demonstraram que essa suposição estava incorreta, já que a dinâmica dos gelos tem tido um papel crucial na aceleração da subida do nível do mar. Esse subdimensionamento persistiu ainda no Quarto Relatório do IPCC (2007), que apresentou as projeções mais baixas de toda a série de relatórios. Apenas a partir do Quinto Relatório (2013) se passou a incluir explicitamente a dinâmica das camadas de gelo, aumentando as projeções.

Um aspeto relevante é que, embora o IPCC-SAR tenha superestimado ligeiramente o efeito da expansão térmica, esse excesso acabou por compensar em parte a subestimação da perda de gelo, resultando num valor agregado bastante próximo da realidade. Pode argumentar-se que essa correspondência foi, em parte, fortuita, mas ainda assim reforça a validade das metodologias usadas.

As projeções do IPCC de meados dos anos 1990, apesar de simplificadas, foram globalmente acertadas

O artigo conclui que, apesar das limitações e incertezas, as primeiras projeções do IPCC sobre o nível do mar demonstraram uma capacidade de previsão robusta e comparável à verificada noutras áreas, como a modelação da evolução da temperatura global desde a década de 1970.

Este resultado transmite confiança nas atuais projeções, ainda que seja necessário manter vigilância e investigação constante, sobretudo em relação às incertezas ligadas ao comportamento futuro das camadas de gelo e à possibilidade de cenários de risco elevado, mas de baixa probabilidade (por exemplo, instabilidade abrupta das plataformas de gelo da Antártida).

Cada relatório completo do IPCC pode ter milhares de páginas, mas sempre inclui um Resumo para Decisores Políticos (SPM) de apenas algumas dezenas de páginas.

Os autores destacam ainda a importância de continuar a monitorizar de forma sistemática todos os componentes do sistema climático e sublinham que previsões fiáveis para o nível do mar dependem também de projeções corretas das concentrações atmosféricas de CO₂ – um aspeto em que o cenário IS92a foi particularmente bem-sucedido.

Em síntese, a avaliação feita mostra que as projeções do IPCC de meados dos anos 1990, apesar de simplificadas, foram globalmente acertadas, o que reforça a confiança nas projeções atuais e evidencia a necessidade de observação contínua e de avanços no conhecimento dos processos físicos que controlam a subida do nível do mar.

Referência da notícia

Törnqvist, T. E., Conrad, C. P., Dangendorf, S., & Hamlington, B. D. (2025). Evaluating IPCC projections of global sea-level change from the pre-satellite era. Earth's Future, 13, e2025EF006533. https://doi.org/10.1029/2025EF006533