O rebentamento de bolhas de ar acelera o degelo dos glaciares

Ter em consideração o efeito das bolhas de ar presas poderá melhorar as estimativas do degelo dos glaciares submarinos e prever melhor a sua contração à medida que os oceanos aquecem.

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O glaciar Xeitl Sít' desagua na Baía de LeConte, um fiorde com 10 km de comprimento. O degelo subaquático ocorre na superfície submersa quase vertical do glaciar visto aqui. Fonte: Erin Pettit.

Os glaciares das marés, enormes rios de gelo que correm para o mar, rangem e assobiam continuamente à medida que descongelam na água do mar. Estes ruídos subaquáticos, que soam um pouco a comida frita, devem-se à libertação de bolhas de ar presas.

Porém, estas pequenas bolhas pressurizadas não fazem apenas barulho. Uma nova investigação demonstrou que a energia libertada quando as bolhas rebentam pode alimentar a fusão subaquática destes glaciares. Experiências de laboratório mostraram que o gelo dos glaciares com bolhas derrete duas vezes mais depressa do que o gelo sem bolhas.

"Estas explosões milimétricas de bolhas de ar influenciam de forma significativa o ritmo a que os glaciares de maré derretem", afirma Erin Pettit, glaciologista da Universidade Estatal do Oregon e coautora de um novo estudo, publicado na Nature Geoscience.

Esta descoberta pode explicar, em parte, porque é que alguns glaciares de maré, como o glaciar Xeitl Sít'i (LeConte) no Alasca, estão a derreter debaixo de água mais rapidamente do que o previsto pelos modelos teóricos.

Medição do degelo

Uma das formas mais relevantes de os glaciares de maré contribuírem para a subida do nível do mar é o desprendimento de icebergs das suas frentes íngremes, onde o gelo se encontra com o oceano. Também a expulsão da água de fusão através de correntes que correm ao longo das suas bases é um contributo, tal como, a fusão direta das suas frentes submersas no oceano.

Os cientistas querem compreender este degelo submarino, pois pode influenciar a estabilidade dos glaciares e o nascimento de icebergs, contudo, é complicado medi-lo diretamente. Em vez disso, utilizam modelos teóricos para estimar o degelo com base nas temperaturas e correntes oceânicas. Estes modelos também dão uma ideia de como os glaciares podem responder ao aquecimento dos oceanos causado pelas alterações climáticas.

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O problema com estes modelos de fusão, explicou Pettit, é que estes baseiam-se em observações de gelo marinho sem bolhas. Até 10% do gelo dos glaciares é ar, que fica preso entre os cristais de gelo quando a neve se comprime ao longo do tempo. O ar no interior destas bolhas pode estar a uma pressão atmosférica 20 vezes superior à normal ao nível do mar.

Pettit começou a estudar as bolhas de ar dos glaciares há uma década, quando utilizou hidrofones para ouvir a paisagem sonora perto de um glaciar do Alasca, num fiorde. Uma conversa casual com Meagan Wengrove, uma engenheira costeira da Universidade Estatal do Oregon, deu-lhe a ideia para a sua experiência de laboratório sobre o rebentamento de bolhas.

As bolhas de ar de um glaciar

Nunca ninguém tinha investigado a forma como as bolhas de alta pressão afetam a fusão, explica Wengrove, apesar de "ser bem conhecido que as bolhas de ar criam um fluxo turbulento nos líquidos".

Wengrove e os seus colegas tinham um palpite de que as bolhas de ar podiam romper a fina camada de água fria que reveste a parte inferior dos glaciares, fazendo com que a água quente entrasse em contacto direto com o gelo do glaciar e provocando a sua fusão.

Para testar esta teoria, os investigadores utilizaram câmaras de alta velocidade para registar o gelo dos glaciares no laboratório de núcleo de gelo da Universidade Estatal do Oregon, enquanto este derretia num tanque de água salgada. Também projetaram luz laser na superfície do gelo e utilizaram partículas marcadoras para seguir as correntes na água circundante. Repetiram depois a experiência com gelo sem bolhas doado por um escultor de gelo.

Wengrove e os seus colegas descobriram que as bolhas de ar aumentavam a fusão ao fornecer água quente em movimento rápido à superfície do gelo. Nas suas gravações, observaram que as bolhas de ar rebentavam do gelo em degelo, deixando vazios de baixa pressão na camada limite protetora. A equipa acredita que a água do mar quente entra no glaciar para preencher estes vazios. A equipa também descobriu que estas bolhas de ar transportam consigo água quente à medida que sobem, criando correntes que derretem ainda mais o gelo.

"(...) estas bolhas de ar têm um impacto significativo, mas subestimado, no degelo", afirmou Twila Moon, glaciologista do Centro Nacional de Dados sobre a Neve e o Gelo da Universidade do Colorado, em Boulder.

Wengrove e o coautor Jonathan Nash, um oceanógrafo da Universidade Estatal do Oregon, construíram um modelo de simulação para explorar o efeito das bolhas de ar à escala glaciar. Descobriram que as bolhas provocaram o maior degelo submarino em águas com menos de 60 metros de profundidade, onde a pressão da água é menor e, por isso, as bolhas libertadas expandem-se rapidamente e permanecem mais tempo na coluna de água.

Isto significa que os resultados são provavelmente mais relevantes para os glaciares de maré nas águas pouco profundas que rodeiam o Ártico, explicou Nash. Os glaciares da Antártida derretem a maiores profundidades, pelo que este processo pode ter menos impacto nesses locais, disse.

Atualmente, para prever a fusão do gelo, os modelos baseiam-se principalmente na temperatura dos oceanos e na força das plumas de água doce provenientes da base dos glaciares. Os cientistas assumem que faltam elementos físicos que melhorem as suas previsões, como o recém-descoberto efeito de bolha.

Referência da notícia
Wengrove M., Pettit E., Nash J., et al. Melting of glacier ice enhanced by bursting air bubbles. Nature Geoscience (2023).