Bem-vindo ao Antropoceno: o novo capítulo da Terra

Será que, daqui a um milhão de anos, os extraterrestres vão conseguir identificar uma assinatura humana suficientemente distinta nas camadas de rochas e sedimentos da Terra que consiga marcar uma fronteira geológica clara?

Os apetites e a atividade humana expulsaram o planeta - e os seus habitantes - da estabilidade da época Holocénica, que começou há 11.700 anos, aquando o fim da última idade do gelo. O mundo está a ficar desconfortavelmente quente e os seus sistemas de suporte de vida estão a falhar.

O limiar para a "época dos humanos", proposto, pela primeira vez, em 2002, pelo Prémio Nobel da Química Paul Crutzen, deveria ser em meados do século XX.

Foi nessa altura que um aumento acentuado da concentração de gases com efeito de estufa, a poluição por microplásticos, as espécies invasoras, os vestígios radioativos dos testes de bombas atómicas e uma dúzia de outros marcadores, como o aparecimento do plutónio, da crescente influência da nossa espécie se juntaram ao que os cientistas chamam agora a Grande Aceleração.

O presidente do Grupo de Trabalho sobre o Antropoceno (AWG), Colin Waters, afirma que as mudanças súbitas são uma assinatura indiscutível da influência humana.

“A presença da marca do plutónio é uma ferramenta muito útil que permite definir essa fronteira. Temos também todos estes outros marcadores que refletem as grandes mudanças que ocorreram no planeta durante a grande aceleração: o aumento do consumo de combustíveis fósseis, a maior utilização de fertilizantes azotados, o aumento do comércio global que está a espalhar espécies por todo o planeta e a homogeneizar a biota do planeta”, afirma o professor.

Uma mudança de paradigma

Apresentado sob a forma de recomendações, o fruto do longo trabalho deste grupo tem agora de ser validado por um conjunto de cientistas céticos e rigorosos da Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS) e da União Internacional das Ciências Geológicas (IUGS).

As hipóteses de isso acontecer são escassas, de acordo com quase todos os envolvidos. A um certo nível os especialistas em rochas discutem se o Antropoceno merece ser incluído na Tabela Cronoestratigráfica Internacional, a linha temporal oficial do planeta com 4,6 mil milhões de anos.

Crutzen, que ganhou um Nobel por ter identificado os químicos produzidos pelo Homem que estão a destruir a camada protetora de ozono, espera que o conceito e a realidade do Antropoceno permitam concentrar as mentes nos desafios que se avizinham.

Marco zero do Antropoceno

Os cientistas do AWG nomearam o Lago Crawford, no Canadá, como o local oficial de monitorização global do Antropoceno. O lago tem 24 metros de profundidade, mas uma superfície pequena, o que significa que o fundo lamacento não foi remexido.

Os sedimentos depositados no fundo do Lago Crawford - repletos de microplásticos, cinzas espalhadas pela queima de petróleo e carvão e detritos de explosões de bombas nucleares - são o melhor repositório de provas de que um novo e desafiante capítulo da história da Terra começou, concluíram os membros do AWG.

Após anos de deliberação, o lago canadiano foi selecionado entre 12 locais candidatos em todo o mundo - incluindo outro lago, recifes de coral, núcleos de gelo e uma baía oceânica no Japão - como o chamado "pico dourado" do Antropoceno.

A proposta foi submetida à Comissão Internacional de Estratigrafia e aguarda resposta.