"Uma rara mortalidade de jovens", ou assim pensávamos: investigadores revelam a realidade da pandemia da gripe de 1918

Será que a gripe espanhola matou seletivamente os jovens, os que estavam em forma e os saudáveis? Ou terá sido um mito criado e perpetuado por uma sociedade que carecia de provas científicas e de uma visão mais aberta e inclusiva da humanidade?

Gripe Espanhola
Uma imagem histórica de um hospital de campanha na Europa durante a gripe espanhola de 1918.

Os investigadores utilizaram restos mortais de esqueletos para evidenciar a realidade da pandemia global da gripe influenza (ou "gripe espanhola") de 1918. Os resultados do estudo - publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences - revelaram que os indivíduos com estruturas ósseas fracas eram mais suscetíveis de contrair a gripe espanhola.

Estas descobertas contradizem os relatos históricos, que afirmam que o vírus da gripe afetou os jovens e saudáveis e os velhos e frágeis. Esta investigação realça o valor de olhar em retrospetiva para documentos históricos antigos que podem propor mitos em vez de verdades.

Gripe Espanhola

A gripe espanhola foi uma grave epidemia de gripe ocorrida entre 1918 e 1919. É considerada por muitos como uma das pandemias mais devastadoras da História contemporânea. O agente patogénico que provocou a gripe espanhola foi uma forma do vírus da gripe A H1N1. Embora as origens específicas da gripe espanhola sejam desconhecidas, considera-se que terá surgido nos Estados Unidos ou na Ásia Oriental.

O termo gripe espanhola é um termo impróprio. Recebeu essa designação porque a Espanha, um país neutro durante a Primeira Guerra Mundial, noticiou amplamente o surto de gripe, enquanto muitos outros países minimizaram o alcance da pandemia devido à censura em tempo de guerra. Isto gerou uma sensação de que a gripe era especialmente prevalecente em Espanha.

As estimativas do número de vítimas mortais da gripe espanhola diferem muito devido à ausência de estatísticas fiáveis na altura. Pensa-se que cerca de 50 milhões de pessoas perderam a vida devido à gripe espanhola.

Resultados do estudo

Os investigadores recorreram à Coleção de Osteologia Humana Hamann-Todd do Museu de História Natural de Cleveland, que guarda um repositório de esqueletos humanos com mais de 3.000 anos.

No presente estudo, Amanda Wissler, professora assistente de Antropologia na Universidade McMaster, e colegas analisaram os ossos de 369 pessoas que morreram antes e durante a gripe espanhola de 1918. Ela procurava lesões porosas nas tíbias que pudessem ser causadas por infeção, stress, trauma ou má nutrição.

Wissler e os seus colegas descobriram que os indivíduos com estruturas ósseas mais fracas (incluindo os que apresentavam essas lesões) tinham 2,7 vezes mais probabilidades de morrer durante o surto de gripe de 1918.

Para intervenções mais eficazes no domínio da saúde pública

É fundamental recordar que o estudo tem algumas limitações, incluindo o pequeno número de espécimes estudados, todos eles provenientes de Cleveland, o que pode não representar com exatidão as tendências nacionais. No entanto, o estudo sublinha a importância de mensagens de saúde pública diferenciadas e do reconhecimento de que todos os indivíduos são igualmente vulneráveis durante as pandemias.

Compreender as características que aumentam a vulnerabilidade de uma pessoa a doenças graves ou à morte pode ajudar a orientar a afetação de recursos e as intervenções de saúde pública em futuras pandemias, acabando por beneficiar a sociedade no seu conjunto.