Uma expedição matemática congelada ao Ártico: o que nos diz sobre o gelo marinho

Investigadores e estudantes da Universidade de Utah realizaram uma campanha no Ártico para analisar, através de modelos matemáticos, a forma como as condições físicas do gelo marinho influenciam os organismos que o habitam.

gelo marinho
O gelo marinho foi examinado na viagem ao Círculo Polar Ártico.

Em maio de 2024, uma equipa de matemáticos da Universidade do Utah viajou até Utqiaġvik, uma aldeia costeira do Alasca situada a apenas 5 quilómetros a norte do Círculo Polar Ártico. A missão: testar modelos matemáticos para compreender melhor o gelo marinho.

Uma viagem gelada até ao limite do mapa

A expedição foi dirigida por Jody Reimer e Ken Golden, dois investigadores que combinam a matemática com as ciências naturais. Golden é um veterano do Ártico e da Antártida: já fez 19 visitas aos pólos. Desta vez, sete estudantes do Utah acompanharam-no para aprenderem técnicas de trabalho de campo e conhecerem de perto o mundo da investigação polar. Antes de iniciarem os estudos, o grupo chegou a acordo com as comunidades Iñupiat locais sobre a utilização das terras, um passo fundamental para qualquer trabalho científico na região.

Reimer, professora de matemática e biologia, tem estudado a forma como os ursos polares e as focas respondem às alterações do gelo num clima mais quente. A sua atenção centra-se agora nos micróbios que vivem no gelo e nas estratégias que lhes permitem manter-se ativos em condições extremas.

Golden, por sua vez, investiga as propriedades físicas do gelo marinho a diferentes escalas: desde a dinâmica do fluxo de gelo até ao comportamento de pequenas bolsas de salmoura aprisionadas no interior do gelo. O objetivo é compreender como estes processos físicos estão ligados à vida microscópica que habita o gelo.

O próprio Golden observa frequentemente que a matemática atravessa domínios insuspeitos. “As mesmas ferramentas que utilizamos para compreender como as algas absorvem os nutrientes no gelo permitem-nos estudar a progressão da osteoporose nos ossos humanos”, explica. Para ele, a matemática não conhece fronteiras disciplinares.

Ciência no gelo

Mover equipamento numa superfície gelada e fissurada nunca é fácil, mas no Ártico há um desafio adicional: os ursos polares. Durante o primeiro dia de trabalho, o frio do vento caiu para -20 °C enquanto a equipa realizava experiências que combinavam modelos matemáticos com observações diretas do gelo.

O objetivo da investigação é precisamente esse: mostrar como os avanços interdisciplinares da matemática aplicada ajudam a compreender um sistema tão complexo como o gelo marinho, num contexto em que a tecnologia se torna indispensável para testar novos equipamentos e métodos.

Reimer defende que a matemática não é apenas um exercício abstrato, mas uma ferramenta que liga fenómenos da vida real. O objetivo da investigação é precisamente esse: mostrar como os avanços interdisciplinares da matemática aplicada ajudam a compreender um sistema tão complexo como o gelo marinho, num contexto em que a tecnologia se torna indispensável para testar novos equipamentos e métodos.

Uma parte essencial deste trabalho é o PlanktoScope, um dispositivo portátil e de código aberto que permite visualizar organismos microscópicos presentes no gelo. A sua utilização abre a porta a mais investigadores para obterem imagens de alta qualidade sem dependerem de laboratórios sofisticados.

O que levaram consigo do Ártico

No laboratório de Reimer a equipa está agora a analisar as amostras congeladas recolhidas durante a viagem. Alguns investigadores já estão a processar as imagens com ferramentas de inteligência artificial, que ajudam a classificar milhares de microfotografias e a identificar formas de vida praticamente invisíveis a olho nu.

Os dados obtidos servirão de base para projetos futuros e para a apresentação de novas propostas de financiamento. “Estamos a preparar o caminho para uma campanha de medições mais extensa e, ao mesmo tempo, a aprofundar o aspeto biológico”, explica Golden.

Golden e Reimer continuam a analisar estes resultados, no âmbito de um esforço para compreender como interagem o gelo, os organismos que o habitam e um oceano polar em rápida mutação.