Será que a dieta dos Neandertais era só baseada em carne de grande herbívoros?

Ao que parece a dieta dos Neandertais não era só baseada em carne, mas em algo mais. Contamos-lhe tudo aqui!

Os Neandertais eram excelentes caçadores, capazes de abater grandes animais como mamutes. No entanto, a sua dieta não se restringia apenas à carne.

Uma nova pesquisa revolucionária sugere que os Neandertais, longe de serem apenas caçadores de grandes mamíferos, podem ter complementado a sua dieta.

O estudo, publicado baseia-se na análise de isótopos estáveis de nitrogénio (δ¹⁵N) encontrados em vestígios de Neandertais. Valores elevados de δ¹⁵N eram tradicionalmente interpretados como prova de uma dieta rica em carne de grandes herbívoros, como mamutes e renas.

Alguns estudos sugerem que os Neandertais foram os autores de algumas das mais antigas pinturas rupestres encontradas em cavernas.

No entanto, a nova investigação propõe que estes valores elevados podem, em parte, refletir o consumo regular de larvas de mosca enriquecidas em ¹⁵N, que ocorrem em alimentos de origem animal armazenados.

Os cientistas realizaram análises de δ¹⁵N em larvas de mosca de três famílias diferentes, recolhidas de carcaças em putrefação.

Os resultados mostraram que, enquanto a putrefação da carne resultava em mudanças modestas nos valores de δ¹⁵N do tecido muscular (entre -0,6 e 7,7‰), as larvas de mosca associadas à putrefação apresentavam valores significativamente mais elevados, variando de 5,4 a 43,2‰. Esta vasta gama de valores, especialmente os mais altos (até 43,2‰), excede em muito qualquer outra fonte alimentar potencial para hominídeos do Pleistoceno Superior.

O consumo de insetos, incluindo larvas, não é uma novidade. É um hábito alimentar praticado há milénios e ainda hoje é comum em várias culturas em partes da África, Ásia e América Latina.

Os autores do estudo argumentam que, nutricionalmente, o consumo de uma dieta exclusivamente de carne magra por humanos (incluindo Neandertais) é problemático.

Um humano moderno de cerca de 80 kg, peso estimado de um Neandertal, não pode consumir mais de aproximadamente 300g de proteína por dia sem sérias consequências para a saúde, uma condição conhecida como "fome de coelho" ( dieta composta principalmente de proteínas, mas carece de gordura e carboidratos).

Isso sugere que os Neandertais teriam de procurar fontes de gordura e que uma parte substancial da carne magra das suas presas seria provavelmente descartada.

Então o que comiam para além da carne?

É aqui que entram as larvas. O registo etnohistórico, que documenta práticas de povos indígenas, contém inúmeros exemplos de consumo rotineiro de alimentos de origem animal putrefatos com larvas.

Estes povos consideravam frequentemente a carne decomposta e infestada de larvas como uma iguaria, e não apenas uma ração de fome. As larvas são uma fonte rica em gordura e proteína, densa em nutrientes, ubíqua e facilmente obtida.

Os Neandertais, como caçadores, dependiam de reservas de alimentos para compensar a imprevisibilidade da caça. Estas reservas, muitas vezes armazenadas em fossas subterrâneas, pilhas de rochas ou suspensas em árvores, inevitavelmente atraíam moscas e putrefaziam.

O estudo sugere que as larvas, mais do que os próprios tecidos da carcaça, poderiam ter fornecido aos Neandertais uma rica fonte de gordura e uma fonte de proteína altamente enriquecida em ¹⁵N, explicando assim os altos valores de δ¹⁵N observados nos seus restos.

Em suma, esta pesquisa oferece uma nova perspetiva sobre a dieta dos Neandertais, sugerindo que a ingestão de larvas pode ter sido um contribuinte significativo para os seus elevados valores de isótopos de nitrogénio, desafiando a visão de que a sua dieta era estritamente carnívora no sentido de consumir apenas carne fresca de grandes mamíferos. O estudo destaca a complexidade dos sistemas alimentares no Paleolítico Superior e abre caminho para futuras investigações sobre o papel das larvas na nutrição humana pré-histórica.

Referência da notícia

Melanie M. Beasley et al., Neanderthals, hypercarnivores, and maggots: Insights from stable nitrogen isotopes. Sci. Adv.11,eadt7466(2025). DOI:10.1126/sciadv.adt7466