Fungos, melanina e a zona de exclusão de Chernobyl: uma adaptação extrema

Melanina fúngica: o pigmento que transduz energia de radiação, explicando o radiotropismo e a sobrevivência pós-Chernobyl. Saiba mais aqui!

A área mais próxima do reator (cerca de 4 km²) após o acidente ficou conhecida como a "Floresta Vermelha".

A vida na Terra sempre existiu sob o fluxo da radiação ionizante. Contudo, os fungos, especialmente as espécies melanizadas (produtoras do pigmento escuro melanina), demonstram uma capacidade única de interagir com a radiação de uma maneira que difere da maioria dos outros organismos.

A radio-resistência e ambientes extremos

Os fungos melanizados são notavelmente radio-resistentes, com alguns valores de LD10 (dose letal para 10% da população) que se aproximam ou excedem 1 kGy, um nível tipicamente suficiente para a esterilização de alimentos. Essa resiliência permite que eles prosperem em alguns dos ambientes mais extremos do planeta, incluindo áreas de alta altitude (com radiação natural mais elevada), estações espaciais e, crucialmente, locais contaminados por atividades humanas.

A ideia de que Chernobyl está repleta de animais mutantes de duas cabeças é um mito popularizado pela ficção.

Um exemplo proeminente é a Zona de Exclusão de Chernobyl, estabelecida após o acidente nuclear de 1986. Esta vasta área (2600 km² na Ucrânia) exigiu a realocação obrigatória de cerca de 400.000 pessoas. Os maiores impactos na saúde humana registados têm sido o aumento das taxas de cancro da tiroide em crianças devido à ingestão de leite contaminado com Iodo-131, que tem um tempo de semi-vida curto.

Embora a maior parte da zona possa estar segura para humanos em poucos séculos, as áreas mais afetadas, como o edifício do reator, permanecerão perigosas até 20.000 anos devido a isótopos de vida mais longa como o Césio-137.

Neste contexto de contaminação, espécies de fungos melanizados colonizam as paredes do reator danificado e as águas de arrefecimento extremamente radioativas.

O radiotropismo e exploração de energia

Os fungos associados a Chernobyl exibem um fenómeno denominado "radiotropismo", que é o crescimento direcional das hifas em direção a uma fonte de radiação ionizante. Estudos mostraram que a exposição à radiação pode, na verdade, promover o crescimento direcional e estimular a germinação de esporos (radio-estimulação), especialmente em isolados de áreas contaminadas.

A cidade mais próxima da central, Pripyat (com cerca de 50.000 habitantes), só foi evacuada cerca de 36 horas após o desastre, expondo os moradores a altos níveis de radiação.

Isto levantou a intrigante hipótese de que a melanina pode funcionar como um pigmento de colheita de energia, análogo à clorofila nas plantas.

Acredita-se que a radiação ionizante altera as propriedades eletrónicas da melanina, permitindo a transdução de energia.

Em testes, células de fungos melanizados (Cryptococcus neoformans, Wangiella dermatitidis) expostas a radiação cresceram significativamente mais rápido do que células não melanizadas, demonstrando maior atividade metabólica e incorporação de carbono. Assim, a melanina parece permitir que estes fungos explorem uma fonte de energia que é tipicamente letal para outros organismos.

A radioproteção e adaptação genética

Além do seu papel potencial na colheita de energia, a melanina confere importantes propriedades radioprotetoras, atuando como um escudo físico e neutralizando radicais livres citotóxicos que causam danos no DNA.

A nível genético, a exposição à radiação induz a regulação positiva (upregulation) de genes cruciais para o reparo do DNA e o ciclo celular (como RAD50 e RAD51). A radiação também pode induzir uma via de recombinação mediada por microhomologia em eucariotas, que se propõe ser um mecanismo de evolução adaptativa sob stress genotóxico.

Em suma, as descobertas sobre os fungos melanizados destacam um mecanismo biológico antigo e robusto que permite a estes organismos não apenas sobreviver, mas também prosperar em ambientes de alta radiação, transformando a melanina numa molécula de proteção e potencial fonte de energia.

Referência da notícia

Dadachova E, Casadevall A. Ionizing radiation: how fungi cope, adapt, and exploit with the help of melanin. Curr Opin Microbiol. 2008 Dec;11(6):525-31. doi: 10.1016/j.mib.2008.09.013. Epub 2008 Oct 24. PMID: 18848901; PMCID: PMC2677413.

https://www.sites.se.manchester.ac.uk/nuclearhitchhiker/2017/03/10/637/ -

Chernobyl Zone of Alienation