Animais com “GPS” há 100 milhões de anos: o que revelam os fósseis magnéticos

Há 100 milhões de anos, um antigo animal já utilizava o campo magnético da Terra como guia, revelando a existência de um surpreendente “GPS natural” na pré-história.

Magnetofósseis
Magnetofósseis de 97 milhões de anos revelam que um antigo animal marinho já utilizava o campo magnético da Terra como bússola, demonstrando que a natureza dominou a arte da navegação muito antes dos humanos.

A capacidade de muitos animais modernos se orientarem pelo campo magnético da Terra, conhecida como magnetorrecepção, sempre intrigou a ciência. Aves, tartarugas, peixes e insetos utilizam esse “sexto sentido” para navegar por longas distâncias.

Agora, um novo estudo revela que essa habilidade é muito mais antiga do que se imaginava: há cerca de 100 milhões de anos, já existiam organismos que usavam um tipo de GPS natural.

Tesouros microscópicos no fundo do Atlântico

A descoberta aconteceu em sedimentos do Atlântico Norte datados do Cretácico. Neles, investigadores identificaram minúsculas partículas fossilizadas de magnetita, os chamados magnetofósseis, preservadas com uma complexidade surpreendente.

Utilizando avançadas técnicas de imagem 3D, a equipa reconstruiu a estrutura interna dessas partículas com uma precisão inédita. Os cientistas encontraram padrões de vórtice magnético extremamente estáveis, capazes de detetar tanto a direção quanto a intensidade do campo magnético terrestre.

Esta dupla sensibilidade tornaria possível orientar-se mesmo sob variações naturais do campo. Na prática, esses fósseis representam uma bússola biológica sofisticada, semelhante a um GPS primitivo.

Muito além das bactérias magnéticas

Embora bactérias modernas produzam partículas magnéticas para orientação, os magnetofósseis encontrados são diferentes pois têm cerca de 97 milhões de anos, tornando-se os mais antigos com esta complexidade.

"Qualquer criatura que tenha criado esses magnetofósseis, sabemos que provavelmente era capaz de uma navegação precisa", afirmam os cientistas de Cambridge.

Apresentam uma arquitetura superior à de qualquer magnetofóssil conhecido e sugerem origem em organismos multicelulares, e não em microrganismos simples.

A grande pergunta permanece: que animal fabricou estas partículas?

Como não foram encontrados restos ósseos ou tecidos, a resposta não é clara. A morfologia dos magnetofósseis sugere que poderiam pertencer a um animal marinho migratório, talvez um peixe ancestral com comportamento semelhante ao das anguilas atuais.

Contudo, esta hipótese ainda é especulativa. Esta descoberta mostra que a magnetorrecepção tem origens evolutivas muito mais antigas do que se pensava.

Já no Cretácico, a vida marinha apresentava comportamentos migratórios complexos, possivelmente guiados por padrões magnéticos globais. Isso abre novos caminhos para entender como animais modernos desenvolvem e utilizam este sentido invisível.

Apesar de sabermos que muitas espécies dependem do campo magnético, o mecanismo exato continua pouco compreendido.

Os novos magnetofósseis podem ajudar a decifrar esta questão, oferecendo um exemplo fóssil de como estruturas magnéticas funcionavam em organismos antigos.

Alguns estudos apontam para cristais de magnetita; outros, para reações químicas sensíveis à luz.

Uma janela para os oceanos pré-históricos

Além do impacto evolutivo, o estudo também sugere que já havia rotas migratórias oceânicas estáveis no passado profundo. Isto pode ajudar a reconstruir as dinâmicas ecológicas dos oceanos do Cretácico e a compreender como esses ecossistemas reagiram a mudanças climáticas ao longo de milhões de anos.

Não sabemos o nome do animal que produziu estas partículas, mas a evidência é clara: muito antes de qualquer tecnologia humana, a natureza já dominava a arte da navegação magnética.

Referência da notícia

Harrison, R.J., Neethirajan, J., Pei, Z. et al. "Magnetic vector tomography reveals giant magnetofossils are optimised for magnetointensity reception." Commun Earth Environ 6, 810 (2025).