Alerta nas costas mexicanas: destroços da SpaceX ameaçam a nidificação de tartarugas marinhas

Milhares de fragmentos do foguetão Starship caíram no Golfo do México após uma falha em maio e os detritos ameaçam agora ecossistemas chave em Tamaulipas, especialmente a nidificação de tartarugas.

As organizações temem que as tartarugas ingiram os resíduos tóxicos, que têm menos de 1 cm de tamanho.

Em 27 de maio, a SpaceX realizou o nono teste de voo da Starship a partir de Boca Chica, no Texas. Embora o lançamento parecesse bem-sucedido no início, pouco depois perdeu-se o contacto com o propulsor, o que fez com que explodisse sobre o Golfo do México, libertando milhares de fragmentos em território mexicano.

Os destroços do foguetão começaram a aparecer dias depois nas praias de Tamaulipas, principalmente na Playa Bagdad e na foz do Rio Bravo. Testemunhas locais e autoridades ambientais relataram ter encontrado metais, plásticos, cabos e tanques pesados em zonas costeiras e ribeirinhas sensíveis.

O material disperso cobriu uma extensão de mais de 40 quilómetros de costa, incluindo zonas com vegetação queimada devido ao impacto térmico, deixando danos ecológicos que ainda estão a ser avaliados, mas fala-se de milhões de partículas, muitas delas com menos de um centímetro de tamanho, algumas invisíveis a olho nu.

O que é preocupante não é apenas a quantidade, mas o contexto: estes resíduos caíram em plena época de nidificação das tartarugas marinhas, um processo vital para a conservação de espécies ameaçadas como a tartaruga-marinha-olivácea, que depende do ecossistema costeiro de Tamaulipas para sobreviver.

Uma ameaça para todo o Golfo do México

A região afetada é um habitat fundamental para espécies ameaçadas de extinção, como a tartaruga de Kemp (Lepidochelys kempii), que nidifica nas praias do norte do México entre abril e julho. Esta espécie é reconhecida pela sua sensibilidade ecológica e pela necessidade de praias limpas para completar o seu ciclo reprodutivo.

O presidente municipal Alberto Granados supervisiona as condições da praia de Bagdad. Crédito: Governo Municipal de Matamoros

As organizações ambientais e os biólogos marinhos alertaram para o facto de os fragmentos de metal e plástico, especialmente os mais pequenos, poderem ser confundidos com alimentos por crias e adultos, aumentando o risco de obstruções intestinais, lesões internas e mortalidade, bem como de perturbar as rotas naturais de navegação.

Foram também encontrados peixes mortos, golfinhos desorientados e danos visíveis na flora marinha da zona. O poliestireno, o alumínio e a borracha que compõem os destroços podem libertar substâncias tóxicas à medida que se degradam, o que pode afetar a qualidade da água, o plâncton e toda a cadeia alimentar.

Teme-se que, se não forem tomadas medidas rapidamente, esta situação possa pôr em risco décadas de esforços de conservação. Tamaulipas tem liderado os programas de proteção das tartarugas, mas uma contaminação deste tipo tem o potencial de inverter muitos dos ganhos obtidos.

O que é que o governo mexicano vai fazer?

O Ministério do Ambiente (SEMARNAT), juntamente com o PROFEPA, o CONANP e a Marinha, iniciou inspecções e recolheu amostras na zona desde os primeiros relatórios, depois de ter recolhido os destroços do foguetão, recolhido amostras de água e de solo e iniciado estudos toxicológicos para avaliar a natureza perigosa do material.

Uma das preocupações é a possível presença de fósforo branco, uma substância altamente tóxica utilizada na ignição. Embora a SpaceX tenha garantido que os seus destroços não representam um perigo químico ou biológico, as autoridades mexicanas ainda não confirmaram a composição completa dos fragmentos encontrados.

A Presidente Sheibaum informou que vai “iniciar um processo porque há de facto contaminação”. Crédito: Governo do México

Ao longo de junho, equipas de limpeza e voluntários conseguiram recolher parte do material visível, mas os especialistas alertam para o facto de os microfragmentos poderem permanecer enterrados na areia durante anos, tornando os danos a longo prazo difíceis de medir sem uma monitorização constante e um acompanhamento científico rigoroso.

As autoridades assinalaram que este incidente pode abrir um precedente jurídico e o México já está a avaliar uma possível ação judicial internacional contra a SpaceX, invocando a responsabilidade do poluidor nos termos da legislação ambiental nacional e dos instrumentos multilaterais sobre a atividade espacial e a proteção dos ecossistemas.

A SpaceX deve responder

A Lei Geral de Equilíbrio Ecológico e Proteção do Ambiente estabelece que quem causar danos ambientais é obrigado a repará-los. Neste caso, o prazo legal para reclamar é de até cinco anos, o que é tempo suficiente para reunir provas e exigir a correspondente responsabilidade legal e financeira.

Para além das leis nacionais, existem acordos internacionais como o Tratado do Espaço Exterior (ONU, 1967) e a Convenção sobre a Responsabilidade por Danos Causados por Objetos Espaciais (1972), que o México pode invocar para exigir indemnizações ou mecanismos de reparação ambiental.

Entretanto, a comunidade científica continua a recolher dados sobre a verdadeira extensão do impacto, enquanto a libertação prevista de tartarugas em julho será um momento crítico: se as condições não melhorarem, a taxa de sobrevivência das crias poderá cair drasticamente, afetando o equilíbrio marinho regional.

Este incidente levanta uma questão urgente: até que ponto estamos preparados para lidar com os efeitos colaterais da era espacial? As praias de Tamaulipas recordam-nos que mesmo as inovações mais prometedoras, se não forem geridas de forma responsável, podem ter consequências ecológicas devastadoras.