Segundo um novo estudo da Nature, as secas do “Dia Zero” estão a ocorrer mais cedo do que pensamos
As secas do dia zero são períodos de escassez de água extrema e sem precedentes. As alterações climáticas causadas pelos combustíveis fósseis estão a desequilibrar o ciclo global da água, conduzindo à escassez de água.

Segundo um novo estudo, as secas do “Dia Zero” poderão ocorrer em certas regiões do mundo já nesta década. O ciclo global da água está a ser afetado pelas alterações climáticas, o que conduz à escassez de água. No entanto, não é claro quando e onde ocorrerão situações de escassez extrema de água.
Nova investigação
Christian Franzke, um cientista climático da Universidade Nacional de Pusan, na Coreia do Sul, e autor do estudo publicado na revista Nature Communications, afirma que a nova investigação ajuda a dar respostas, algumas das quais surpreendentes. Os cientistas utilizaram uma variedade de modelos climáticos para avaliar o momento e a probabilidade das secas do Dia Zero.
De acordo com Franzke, as secas do Dia Zero são "eventos de escassez de água sem precedentes, eventos que nunca aconteceram antes. [É quando] se abre a torneira e não sai água". Estas secas ocorrem devido à falta de precipitação, aos baixos níveis dos rios e à diminuição dos reservatórios, fazendo disparar a procura de água para abastecer as pessoas, a agricultura e a indústria.
Quase 75% das regiões propensas à seca, mesmo as que possuem grandes reservatórios, correm um risco elevado de seca grave e prolongada até ao final do século, se as pessoas continuarem a queimar combustíveis fósseis. Mais de um terço destas regiões, incluindo o oeste dos EUA, poderá ser afetado já na década de 2020 ou 2030. Ao ritmo atual do aquecimento global, as secas de dia zero poderão ocorrer muito em breve, o que “nos apanhou de surpresa”, disse Franzke.
Onde está a água e onde não está
A Cidade do Cabo, na África do Sul, viveu uma grave crise em 2017 e 2018, após uma das piores secas plurianuais de que há registo. Graças a medidas extremas de poupança de água e a uma precipitação acima da média em 2018, evitou-se por pouco uma catástrofe. Chennai, no sudeste da Índia, esteve à beira de uma escassez de água em 2019. A monção não se concretizou e os níveis de água nos reservatórios baixaram rapidamente. A água tinha de ser transportada por camião para os bairros da cidade, onde os residentes faziam fila durante horas sob o calor.
Cidades como Teerão, Cabul, Cidade do México e Los Angeles estão a tentar evitar o dia zero. As cidades são as mais vulneráveis; as populações estão a aumentar a pressão sobre os recursos hídricos, já de si sobrecarregados pelas alterações climáticas e pela má gestão. De acordo com o estudo, as comunidades com baixos rendimentos serão provavelmente afetadas de forma desproporcionada.
Prevê-se que o Mediterrâneo, a África Austral, a Ásia e a Austrália sofram períodos mais longos de seca sem precipitação, com menos tempo para recuperação entre secas. Esta situação terá um impacto devastador na agricultura e nos ecossistemas. Segundo Franzke, nas zonas particularmente afetadas, coloca-se a questão de saber “se as pessoas poderão viver aí a longo prazo”.
O que está para vir
Os resultados do estudo sublinham a necessidade de acelerar a transição para as energias limpas e de melhorar a gestão da água. As condutas com fugas, por exemplo, desperdiçam muita água. O rápido crescimento do fabrico de semicondutores e dos centros de dados com utilização intensiva de água em zonas com escassez de água, como o Texas e o Arizona.
Uma das limitações do estudo é o facto de os recursos hídricos subterrâneos não terem sido incluídos nos cálculos, uma vez que não foram incluídos nos modelos utilizados pelos cientistas. Richard Allan, professor de ciências climáticas na Universidade de Reading, que não participou na investigação, afirmou que se trata de “novas e importantes provas da evolução das secas se o aquecimento global coincidir com a procura de água doce por parte das sociedades”. Esta investigação é “mais um guia do que uma previsão perfeita, [mas] dá uma imagem de uma ameaça crescente aos recursos hídricos, vinda de várias direções, que já está a emergir”, explicou Allan.