O impacte da ciência aberta na tomada de decisões climáticas e na confiança pública

A ciência aberta está a transformar a forma como a sociedade compreende e lida com os desafios das alterações climáticas. Ao garantir o acesso livre a dados, métodos e resultados, promove a transparência e a reprodutibilidade científica.

Modelo de ciência aberta para alterações climáticas
O modelo da ciência aberta procura fortalecer a confiança pública e contribuir para decisões políticas mais robustas e fundamentadas. Estaremos no caminho certo?

A crescente emergência climática tornou evidente a necessidade de decisões políticas bem informadas, sustentadas por dados científicos rigorosos e acessíveis. Neste contexto, a ciência aberta surge como um modelo inovador que visa democratizar o conhecimento e reforçar a confiança pública.

Trata-se de uma abordagem que promove o livre acesso a dados, métodos e publicações científicas, tornando todo o processo de investigação mais transparente, colaborativo e verificável.

Transparência e acessibilidade: pilares da ciência climática aberta

No campo da climatologia, este paradigma tem vindo a afirmar-se com particular força. A ciência climática contemporânea assenta em observações contínuas, modelos numéricos complexos e uma análise rigorosa das incertezas. Graças à ciência aberta, estes elementos passam a estar disponíveis para qualquer investigador, entidade pública ou cidadão interessado. Iniciativas como o programa Copernicus da União Europeia, a plataforma NASA Earth Data e o Projeto de Intercomparação de Modelos Climáticos Acoplados (CMIP) são exemplos notáveis de como a abertura de dados potencia uma maior compreensão dos fenómenos climáticos.

A ciência aberta não se limita à disponibilização dos resultados. Vai mais longe, propondo que os processos que levam às conclusões científicas também sejam passíveis de escrutínio. Isto implica que os investigadores partilhem os códigos utilizados nos seus modelos, bem como os métodos estatísticos e os conjuntos de dados originais. Estas práticas reforçam a fiabilidade do conhecimento produzido e facilitam a reprodução dos resultados, elemento central no método científico.

Num tempo em que a desinformação climática prolifera nas redes sociais e em certos canais de comunicação, a transparência científica é uma das melhores ferramentas para contrariar narrativas negacionistas. A possibilidade de qualquer pessoa aceder às fontes primárias da investigação e compreender os pressupostos utilizados contribui para uma sociedade mais informada e crítica.

Colaboração, transparência e comunicação: os desafios e promessas da ciência

A UNESCO tem sido uma das principais impulsionadoras deste movimento, definindo pilares para a ciência aberta que incluem o acesso universal ao conhecimento, a colaboração entre pares e o envolvimento de diferentes setores da sociedade. Esta filosofia está a mudar a forma como se faz ciência, promovendo um ambiente mais colaborativo e menos competitivo, onde o objetivo comum é gerar conhecimento útil e aplicável à resolução de problemas complexos como o das alterações climáticas.

Ciência aberta - valores e princípios
Valores e princípios para a ciência aberta assente nos pilares da UNESCO. Fonte da imagem: Ciência Aberta, Universidade Lusófona.

A partilha de código-fonte, em particular, tem-se revelado uma prática decisiva. Permite acompanhar, linha a linha, as decisões tomadas por cada equipa de investigação, funcionando como um diário técnico do processo científico. Modelos como o Community Earth System Model (CESM), cujo código está disponível na plataforma GitHub, ilustram bem os benefícios desta abordagem, ao permitir que investigadores de todo o mundo contribuam para a melhoria contínua.

Contudo, a abertura e a transparência não são suficientes por si só. É igualmente essencial comunicar bem a ciência. Um dos maiores desafios da atualidade é explicar à sociedade a existência de incertezas nos modelos climáticos. Estas não significam ignorância ou erro, mas sim a representação de cenários possíveis com diferentes níveis de probabilidade. A forma como esta incerteza é comunicada pode ser determinante na perceção pública do risco e na aceitação de medidas de mitigação ou adaptação.

O caso dos ecossistemas afro-montanos, por exemplo, demonstra esta dificuldade. Apesar de os modelos não coincidirem quanto à sua evolução futura, isso não invalida as projeções. Pelo contrário, reforça a importância de considerar várias possibilidades antes de tomar decisões políticas.

A comunicação científica deve ser realista e honesta, evitando exageros e simplificações que possam gerar desconfiança ou desinformação. Uma ciência visível não deve significar uma ciência sobre-exposta. A proliferação de estudos não contextualizados ou mal comunicados pode saturar o público e ter um efeito contraproducente.

De facto, a ciência aberta representa uma revolução silenciosa, mas poderosa, na forma como se produz e se partilha o conhecimento. Ao potenciar a transparência, a colaboração e a acessibilidade, esta abordagem fortalece os fundamentos da investigação climática e contribui com as ferramentas necessárias para uma ação informada e eficaz. Ao mesmo tempo, ajuda a consolidar a confiança da sociedade no trabalho dos cientistas, essencial para arrostar os desafios climáticos do presente e do futuro.