Mistérios astronómicos: será que Vénus esconde asteroides perigosos?
Os investigadores estão a alertar para os asteroides que orbitam Vénus, invisíveis aos nossos telescópios, com simulações recentes que sugerem que podem constituir uma ameaça real para a Terra num futuro próximo.

Embora se saiba que 20 asteroides partilham uma órbita com Vénus, a maioria tem trajetórias altamente excêntricas. Estes objetos, anteriormente invisíveis, poderão ter órbitas mais circulares, aumentando a incerteza quanto ao seu perigo. Os asteroides co-orbitais de Vénus estão numa espécie de dança gravitacional com o planeta. Alguns adoptam mesmo a forma de ferradura, enquanto outros orbitam os pontos de Lagrange L4 e L5. Embora esta ressonância evite colisões com Vénus, não os mantém afastados da Terra, especialmente se a sua órbita cruzar a nossa.
As simulações mostram que alguns destes corpos podem aproximar-se a 0,0005 unidades astronómicas do nosso planeta, uma distância muito pequena em termos astronómicos. Se tiverem mais de 140 metros de diâmetro, já podem ser classificados como asteroides potencialmente perigosos (PHAs).
Scientists find evidence that Venus has a dirty secret a group of never-before-detected asteroids co-orbiting with the planet that likely feed the dust ring at Venus orbit around the Sun: https://t.co/0VsNs9QOGH pic.twitter.com/40oPh6NuAX
— NASA Goddard (@NASAGoddard) March 12, 2019
Um impacto de um destes objetos, como os analisados no estudo, poderia libertar entre 1,5 e 4,1 milhões de toneladas de TNT, o suficiente para destruir uma cidade inteira ou gerar tsunamis se caísse no oceano: um evento de nível 8 na escala de Torino.
A dificuldade de ver o que está escondido
A explicação mais provável para o facto de não os termos visto antes é o enviesamento da observação, uma vez que os asteroides de baixa excentricidade raramente se aproximam da Terra e ficam perto do brilho do Sol, tornando-os quase impossíveis de detetar com telescópios terrestres convencionais. Utilizando modelos como o NEOMOD3, os cientistas excluíram a ideia de que se formam menos asteroides com órbitas circulares; pelo contrário, as simulações mostram que deveriam existir muitos perto de Vénus.
Isto significa que o problema não é a sua ausência, mas sim a nossa incapacidade de os ver devido às suas trajetórias. O Observatório Vera C. Rubin, no Chile, poderia ajudar a detetá-los em condições muito específicas: imediatamente antes do nascer ou depois do pôr do sol, com elevações superiores a 20° e magnitudes aparentes inferiores a 23,5. No entanto, é preciso ter em conta que estas janelas de observação são breves e pouco frequentes.
Além disso, os asteroides com órbitas mais inclinadas ou excêntricas são mais visíveis, o que tem levado a uma falsa perceção de que todos os asterpides próximos de Vénus são assim, quando a realidade pode ser muito mais preocupante: há toda uma população invisível que ainda não localizámos.
Simular o que ainda não vemos
Para investigar mais, os cientistas criaram modelos que simulam centenas de asteroides fictícios com diferentes órbitas próximas de Vénus, utilizando uma abordagem semi-analítica combinada com integrações numéricas a longo prazo para observar como podem evoluir e aproximar-se da Terra. As simulações cobriram um período de 36.000 anos, três vezes o ciclo orbital típico destes corpos, e analisaram o seu comportamento em diferentes níveis de excentricidade e inclinação. Verificaram que os objetos com baixa excentricidade e baixa inclinação tendem a ter encontros mais próximos com a Terra.

Com base nestes resultados, avaliámos a frequência com que seriam visíveis da Terra em condições ideais. A percentagem de visibilidade foi maior para os objetos mais excêntricos, confirmando que a nossa capacidade de deteção é tendenciosa. Além disso, a inclinação, curiosamente, não afetou a visibilidade tanto quanto se esperava. Este trabalho revelou também que alguns destes objetos simulados poderiam atingir níveis de brilho suficientes para serem detetados a partir de observatórios modernos... se soubermos onde e quando procurar, mas em muitos casos, estes momentos ideais ocorrem durante curtos períodos do ano.
Uma nova fronteira: procurar a partir de Vénus
Uma vez que as observações terrestres são limitadas pela atmosfera, está a ser considerada a utilização de sondas espaciais em órbitas próximas de Vénus. As simulações de uma órbita hipotética em torno do equador de Vénus mostraram condições muito mais estáveis e previsíveis para a observação de asteroides co-orbitais. Uma das ideias mais promissoras é a missão CROWN, que propõe a utilização de uma constelação de sete sondas: uma nave-mãe e seis telescópios. Estas sondas seriam estrategicamente colocadas em órbitas semelhantes à de Vénus, com vistas distantes do Sol, e espera-se que detectem até 94% dos objetos nessa região.
Missões como a NEO Surveyor também foram propostas, com lançamento possível depois de 2027. Esta sonda orbitaria o ponto L1 entre a Terra e o Sol, permitindo observações a pequenas elongações solares, exatamente onde estes asteroides tendem a esconder-se. A ciência é agora clara: para compreender melhor os riscos cósmicos, temos de olhar de outras perspetivas, e observar a partir de Vénus (ou perto do planeta) pode ser a chave para encontrar essa população oculta de asteroides que, até agora, permanece invisível e potencialmente muito perigosa.