O vírus Alaskapox mudou de nome para evitar estigmatizar o estado que lhe deu o nome e prejudicar o turismo

Isolar e identificar um novo vírus não é tarefa fácil - nem tão pouco escolher um nome apropriado para o mesmo, tal como os cientistas estão mais uma vez a descobrir. Saiba mais aqui!

Alaskapox; borealpox
Primeira morte humana causada pelo vírus leva a um novo nome: borealpox.

Um novo poxvírus que tinha sido chamado Alaskapox - devido ao estado em que foi encontrado (Alasca, nos Estados Unidos) - foi rebatizado depois de a morte de um paciente infetado o ter trazido para a ribalta da imprensa, provocando receios de que o nome pudesse prejudicar o turismo. De agora em diante, Alaskapox é borealpox.

"Ficou claro que o nome Alaskapox poderia ser estigmatizante para o Alasca".

Joseph McLaughlin, epidemiologista do estado do Alasca, que descobriu o vírus.

No entanto, mesmo o novo nome pode ter um problema, porque pode sugerir que o vírus veio da Califórnia, terra da Montanha Boreal. "É difícil dar nomes a estas coisas", frisou Katherine Newell, epidemiologista dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, que ajudou a escolher o nome borealpox.

Nomeação de vírus

Nas últimas duas décadas, os nomes dos vírus e das doenças têm sido objeto de um escrutínio crescente, em parte porque podem ser enganadores ou confusos. O vírus de Marburgo, por exemplo, tem o nome de uma cidade alemã onde se registou o primeiro surto, mas na realidade é transportado por morcegos em África.

Os virologistas também reconheceram que os nomes podem estigmatizar pessoas ou lugares. Em 2022, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decidiu mudar o nome da varíola do macaco (monkeypox), que ocorre principalmente em roedores, e não em macacos, e cujo nome foi considerado como um estereótipo racista e estigmatizante. Desta forma, passou a chamar-se mpox.

As Melhores Práticas para a Atribuição de Nomes a Novas Doenças Infecciosas Humanas, publicadas pela OMS em 2015, dizem que os nomes baseados em localizações geográficas e espécies animais devem ser geralmente evitados.

O Alaskapox foi identificado pela primeira vez nesse mesmo ano, numa mulher de Fairbanks que foi a uma clínica com uma lesão no ombro direito e que acabou por recuperar. Um artigo sobre o caso, publicado em 2017, referiu-se ao vírus como AK2015_poxvirus.

Um artigo de 2019, da autoria de Joseph McLaughlin, que apresentou o genoma, referiu-se ao novo agente patogénico como vírus Alaskapox. Isso não pareceu causar qualquer preocupação na altura, devido à raridade de casos e à falta de gravidade dos mesmos.

Alaskapox: do silêncio às manchetes internacionais e a consequente mudança de nome

Os estudos sobre o Alaskapox continuaram em silêncio até ao final de 2023, mas em janeiro deste ano, quando o Alasca noticiou a morte por Alaskapox de um homem idoso que estava a fazer quimioterapia, o nome apareceu subitamente em toda a imprensa. Posto isto, agora que estava nas manchetes, Alaskapox já não parecia ser um nome tão bom.

Newell e McLaughlin consideraram vários outros nomes, incluindo arcticpox, tundrapox e aurorapox, antes de se decidirem por borealpox, que se refere ao ecossistema boreal, vulgarmente designado por taiga, "onde o vírus foi identificado pela primeira vez tanto em humanos como em pequenos mamíferos", explica Newell. Também reflete o facto de o vírus poder ser encontrado em ambientes semelhantes fora do Alasca.

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Rachel Roper, virologista da Universidade da Carolina do Leste que preside ao grupo de poxvírus do Comité Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV), concorda que o nome teve de ser alterado. "Aparentemente, já estava a afetar negativamente o turismo", afirmou.

Embora o nome comum de um vírus seja escolhido pelos cientistas que apresentam a sequência do seu genoma, o ICTV decide o nome científico. Até à data, o ICTV ainda não escolheu um nome para este vírus. Newell diz que o CDC está a planear apresentar documentação este verão para mostrar que se trata de facto de uma nova espécie de ortopoxvírus. Depois disso, o ICTV pode dar-lhe um nome.

Referência da notícia:
Springer Y., Hsu C., Werle Z., et al. Novel Orthopoxvirus Infection in an Alaska Resident. National Library of Medicine (2017).

Gigante C., Gao J., Tang S., et al. Genome of Alaskapox Virus, a Novel Orthopoxvirus Isolated from Alaska. PubMed Central (2019).